De volta às margens do Taboão, ou os nossos dias em Paredes de Coura
Sabemos que o Verão já vai a meio quando temos que regressar a Paredes de Coura, aquele sítio mágico que nos deixa sempre tão boas recordações. Este ano não foi excepção. E Agosto já está quase no fim.
Se esperávamos um cartaz estrondoso (porque, afinal de contas era ano de 25 Primaveras do Festival), acabámos por presenciar, dentro de um cartaz que até nem foi muito ao nosso jeito, momentos que, de tão especiais e tão bonitos, vão ficar sempre nas nossas memórias. É isto que faz de Paredes de Coura aquele sítio onde temos sempre que voltar.
E são esses momentos, os que sentimos tudo como em mais lado nenhum senão em ali, os que eu vou contar, porque os outros, os mais ou menos, ou repetidos ou os que não me marcaram de todo (ou mesmo os que me quiseram fazer ir embora... que também houve), desses a (minha) história não vai rezar aqui.
Fomos cheias de vontade, a de celebrar os 25 anos do Festival, a de celebrar as gargalhadas com os amigos, a de ver coisas que ainda não tínhamos visto (por mais que não fossem muitas), a de repetir coisas que gostamos muito e a de sentir que, naquele sítio, como em poucos outros, as pessoas vão pela música, pelo sentir a música, e por momentos que se entranham em nós e passam a fazer parte da nossa história, como em muito poucos lugares.
Sim, Paredes de Coura é mesmo assim tão especial.
Com um primeiro dia de recepção onde, a bem dizer da verdade, só me interessavam os The Wedding Present (com o seu "George Best" e com as memórias de vidas passadas), rendi-me logo à Escola do Rock, que nos fez entrar numa primeira noite sem frio, e que ia acabar com os Future Islands, que, por mais que eu tente, não me encaixam no iPod, muito menos na banda sonora da minha vida. Nada a fazer.
Ouvimos dizer que Adolfo Luxuria Canibal e os seus Mão Morta foram espectaculares, e acreditamos que sim, até porque quem nos disse isso sabia do que falava. A mim? Conquistaram-me os sons de "George Best" e os The Wedding Present, que, 30 anos passados do lançamento do álbum, ainda me soaram tão bem.
Privilegiadas que somos, pudemo-nos dar ao luxo de ouvir os Sunflower Bean sentadas no alpendre de casa, ficámos com pena de não os termos visto ali ao pé, mas chegámos a tempo de ver os Car Seat Headrest, que já me tinham aguçado a curiosidade no NOS Primavera Sound e que acabaram por me conquistar de vez ali em Coura.
Will Toledo, com o seu ar geek e os seus sons límpidos e cheios de rock, conquistaram toda a gente, devagarinho mas sem hesitar um momento, como quem sabe mesmo o que vai ali fazer. E sim, o meu festival fica marcado com "Unforgiving Girl( She's Not An)" e com "Beast Monster Thing (Love Isn't Love Enough)", mesmo ali a acabar o que foi uma hora de muito bom som.
Chegada era a hora de ir ter com King Krule. Finalmente.
Quem nos segue, saberá da minha predilecção por ele há uns anos, mesmo quando resolve fazer projectos novos. Espanta-me sempre como é que aquela voz sai de dentro daquele corpo. Como é que aquele som sai daquela guitarra. Mas especialmente, como aquela voz sai de dentro daquele miúdo ruivo.
E sim, tinha andado a coscuvilhar as setlists dos pouquíssimos concertos que ele andou a dar no verão, só porque queria muito que ele tocasse duas músicas: "Rock Bottom", o clássico que não poderia faltar, mas especialmente, "Baby Blue", que, se formos bem a ver, é aquela que nunca dá. Menos em Coura, óbvio. "O puto tocou o Baby Blue" mandei eu por mensagem logo a seguir ao concerto. E sim, foi assim tão bom. Melhor que em qualquer outro sitio do mundo. Porque, afinal de contas estávamos em Coura. E Coura é magico. Só assim é que se explica isto. Só assim é que se explicam tantas coisas...
Sobre Nick Murphy, com certeza que a Concertina há-de ter coisas para contar. A mim? Pareceu-me bem melhor que no Alive. Só isto.
Ora bem, é a minha deixa... Depois de um primeiro dia de «aquecimento e reconhecimento», e de um King Krule absolutamente incrível, era tempo de reencontro com Mr. Nick Murphy. Quase nada bateria o concerto no Coliseu, tudo seria melhor que o do Alive. Em Paredes de Coura, não se esqueceu de Chet Faker e deu tudo o que tinha. Aqueceu corações, seduziu e encantou. A meu ver, redimiu-se e bem daquele balde de água fria em Algés. O alinhamento cumpriu, com os clássicos e algumas novidades e só não excedeu, porque o moço deveria ter incluído aquela que é para mim uma das melhores coisas que criou: "Your Time". Teria sido a cereja no topo do bolo...
Entretanto, num terceiro dia de sol, chegámos cedo e deixámo-nos embeber no jazz de Bruno Pernadas, que já sabíamos ser tão maravilhoso. Foi um dia calmo e contemplativo, até porque só queríamos mesmo apanhar os maravilhosos escoceses Young Fathers (especialmente Kayus Bankhole, confesso), que nos fizeram ganhar fôlego para uma das razões da nossa ida ao festival: os BADBADNOTGOOD. Sim, que ali ao pé do rio há experiências que não se podem perder, e tínhamos a certeza que eles eram uma delas. Por muito que pudesse estar a contar com tudo de bom, nunca nada se ia assemelhar ao que ali aconteceu. Foi deliciosamente bom, um daqueles concertos que me vai fazer sorrir sempre. Porque a musica é isto: sentir. E eu? Senti tudo. Rendi-me ainda mais aos miúdos do Canadá. Porque eles sabem o que fazem. Graças a Deus.
E porque Coura não é só rock n' roll. Ou melhor, porque os BADBADNOTGOOD são tudo o que o rock devia ser.
Pouco tenho a acrescentar ao que a Chavininha já escreveu. O concerto dos rapazes foi simplesmente arrebatador. Emoção plena à flor da pele, como se nesse dia, estivesse num festival de jazz. E o mais incrível é que Paredes de Coura mostrou ser o local perfeito para a estreia destes miúdos. O «anfiteatro natural» tornou tudo mais genuíno, mais intenso, mais bonito e a energia naquela hora e qualquer coisa deixou-nos em felicidade plena.
Depois? Depois fomos embora.
Porque os Japandroids são cromos repetidos do Primavera Sound e os Beach House, já nossos bem conhecidos de outras paragens, não eram suficientes para irmos para casa de barriga ainda mais cheia. Se nos enganámos? Acho que não.
Na verdade, fomos embora porque nada ia ser melhor do que o que já tínhamos visto, e, porque era preciso arranjar energia para o ultimo dia: para receber Benjamin Clementine e os Foals. Assim é que é.
Para fechar o festival com chave de ouro, chegámos a tempo de Benjamin Clementine. Até porque já não tínhamos paciência para a confusão, o pó e as pessoas. Verdade seja dita.
Muito se poderia dizer sobre Benjamin Clementine, desde as suas aptidões natas no piano, a sua voz maravilhosa, a sua forma de tocar quem o ouve, mas muito poucos entenderão quando eu digo que, Benjamin Clementine deveria ser obrigatório. Ponto.
Tive o privilegio de o ver na Sala Suggia da Casa da Música em 2015, e pensei que, ali em Coura, não poderia exceder o que eu vi.
Mas excedeu.
De uma outra forma que não num concerto íntimo, mas Benjamin foi, ali em Coura, um reflexo de tudo o que eu acredito que seja a Música enquanto arte: pleno, contagiante, simpático, quente, marcante... Extraordinário.
De todos os diferentes concertos que eu já assisti ali, ao pé do rio, Benjamin foi o mais pleno, o que nos fez rir e chorar, sentir tudo como se em vez de 27000 pessoas, estivéssemos lá nós e ele. Ou ele e outra pessoa qualquer que o estivesse a ver e se deixasse tocar. Porque só ele sabe fazer as coisas assim.
Com músicas novas e alguns clássicos, Clementine foi o que se quer quando se abre o coração: Benjamin foi Coura, pelo menos para mim.
Para mim também, que ainda não tinha tido oportunidade de o ver ao vivo. Acrescento apenas que foi provavelmente um dos melhores concertos a que tive o privilégio de assistir. Que foi emotivo, divertido e nostálgico, intimista por vezes, ostensivo por outras, sempre emocionante e uma experiência única que só poderia ter acontecido em Paredes de Coura. E eu sou claramente mais feliz por ter estado presente.
Quanto aos Foals o que dizer que ainda não tenhamos dito? Pouco, ou quase nada. Encerraram a festa, tinham o papel mais importante da noite e, desta vez, não se esqueceram de "Two Steps Twice" (ainda que Yannis se tenha esquecido do crescendo da música, mas pronto...aina não foi desta que eu vi "o" concerto dos Foals. Pode ser que seja da próxima.). O "problema" foi que a noite foi de Benjamin. Pelo menos a nossa. E tinha sido preciso dar mais para ultrapassar isso. (Não nos esquecemos que ali no meio houve Ty Segall, mas preferimos não falar disso...)
No fim, brindámos aos 25 anos do festival, com direito a balões, confettis, um "parabéns a você", e o melhor de tudo, os LCD Soundsystem e "All My Friends" a sair bem alto das colunas, celebrando a passagem histórica da banda no ano passado ali naquele mesmo sitio. Uma noite épica essa também, como se quer de um festival que nos habituou a ser único e especial, e a criar memórias que não são de mais lado nenhum senão das margens do rio Taboão.
De todas as coisas que faltam dizer aqui - porque vão sempre faltar coisas - dizer que, ainda bem que há Paredes de Coura, que há aquela vila, os passarinhos e os bonecos no céu, ainda bem que há aquelas estradas esquisitas e o nosso Senhor José para nos levar e trazer, ainda bem que estivemos lá, e que para o ano há mais.
Com um grande sorriso, este foi mais um ano bom, cheio de memórias, de sorrisos, de raios de sol e de notas de amor.
Como só em Coura pode acontecer.
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