"Sainte Victoire" de Clara Luciani: a música francesa está de boa saúde e recomenda-se

Foi por acaso que descobri Clara Luciani, mais uma vez através dos media franceses. 
Num deles, a frase «faire de la poésie une arme, et de la musique un combat», que li numa entrevista  sua, faz todo o sentido. Talvez por isso tenha ficado vidrada em "La Grenade".
A canção é incrível, com um ritmo forte, aguerrido, que não nos deixa indiferente - é impossível não batermos o pé logo aos primeiros acordes! E depois, há a mensagem, direta, sem subtilezas, sem floreados. Como se pudesse ser um hino feminista, ou pelo menos um hino pelas mulheres livres e independentes - «prends garde, sous mon sein la grenade» - numa luta que julgávamos terminada.


Clara Luciani é uma lufada de ar fresco na pop (francesa), e encaixa bem nos meus ouvidos, muito por culpa do seu timbre grave - que nos remete em diversas fases do disco para a escuridão de Nico, para a melancolia de Françoise Hardy ou para a rebeldia de Patti Smith. A sua imagem, à primeira vista, engana, que de frágil pouco ou nada terá - afinal a menina tem origens que remontam à Córsega e à Sicília. Talvez por isso, não poderíamos esperar outra coisa de "Sainte Victoire": um disco intrigante, cheio de emoções à flor da pele, quente, enérgico e vivo.

E como na vida, também aqui temos altos e baixos. Neste caso, retratam as várias etapas do processo de recuperação pessoal e emocional pós-separação amorosa. Cliché, não é? É.
Mas em vez de se deixar levar pela «lamechice» e pela depressão, que normalmente resultam em canções calmas e aborrecidas, Clara seguiu o caminho pop. E ainda bem.


"La Baie" é uma versão adaptada, melhor dizendo, reiventada de "The Bay" dos Metronomy. A melodia mantém-se mas a letra recria uma baía diferente, paradisíaca, envolta em romantismo. E eu confesso que me mexo muito bem ao som desta versão.

Em "On ne meurt pas d'amour" dá-se o primeiro contacto com o lado menos bom do amor - «il faudrait réparer mais où trouver le courage» canta Luciani. É o primeiro grito de ajuda, sempre em ritmo acelerado e positivo, que é preciso afugentar a dor.


"Eddy", "Les fleurs" (que crescendo final!) e "Comme toi" (plena de acordes dramáticos) aparecem como aqueles momentos de incerteza, um passo em frente, dois atrás, antes de finalmente pararmos e avançarmos. A acalmia chega com "Drôle d'époque" - de tom intenso, voz e guitarra, é tão bonita a voz de Clara... - numa nova referência ao papel da mulher na sociedade, e com "Monstre d'amour", de melodia delicada e intensa.


Recuperamos o ritmo com "La dernière fois", é tempo de nos libertarmos da dor, de reagir e de aceitar que a vida tem destas coisas com "Dors", mais calma, mais simples, com o piano a ganhar um lugar maior. o tempo perfeito para renascer. Eis "Sainte Victoire", canção falada que encerra um ciclo - não se morre de amor, mas às vezes é preciso fazer o luto - para que depois possamos começar de novo - «je suis armée jusqu'aux dents, sous mon sein... une grenade»

"Sainte Victoire" é a visão de uma mulher emotiva, lutadora, indecisa, e apaixonada - e nesse aspecto, faz-me lembrar a nossa Rita Redshoes com o seu incrível álbum "Mulher". É um disco de canções pop, poderoso e intenso, alegre, triste e reconfortante.
Que nos provoca, que nos emociona, que nos faz sentir. Exactamente aquilo que se espera da Música.

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