Um Sonho Americano no Coliseu de Lisboa, ou a Crónica Possível de dois dias com os LCD Soundsystem
Foto de Chavininha, dia 2 |
“Tal como as fotografias, as canções perpetuam momentos cujo prazo de validade não é definido pelo tempo.” em Também os Brancos Sabem Dançar, pag. 29, Kalaf Epalanga.
Foto de Chavininha, dia 1 |
Esta foi a frase com que me lembro de ter dado por finalizada a noite no dia anterior ao primeiro concerto dos 3 que os LCD Soundsystem deram na passada semana no Coliseu de Lisboa. Precisei de uma semana (ainda que as vezes ainda ache que foi pouco tempo), para conseguir digerir na perfeição tudo o que se passou naquelas duas primeiras noites de festa, que foram semelhantes, e tão diferentes entre si, e para conseguir explicar algumas das coisas que lá se passaram.
Já aqui o admiti, algumas vezes, que os LCD Soundsystem são uma das bandas sonoras essenciais da minha vida.
E que tenho com eles uma relação muito simbiótica.
Vi os todas as vezes que eles ca estiveram com a mesma sede com que os vi a primeira vez, e com que espero vê-los na próxima, como se, com eles nunca nada fosse suficiente.
Vamos por partes: fomos 2 vezes, mas o primeiro concerto pouco teve a ver com o segundo. Não estou só a falar na setlist, estou a falar em muito mais coisas, até no nosso posicionamento dentro do Coliseu.
Como na vida real, a primeira vez causa muito mais ansiedade, e assim que James Murphy, Pat Mahoney (e os seus calções), Nancy Wang e o resto do gang entraram em palco tudo se dissipou e entramos (posso falar por todos acho eu, o Coliseu de Lisboa inteiro, portanto…) numa zona de festa e de tudo o que há de bom, no que diz respeito a "musica que faz querer mexer-se como se ninguém nos estivesse a ver".
Se o som tivesse sido como em Coura e se não estivesse tanto calor teria sido perfeito, assim foi um bocadinho menos perfeito, e as tais “fotografias-canção”, que foram desfilando naquele primeiro dia iam entrando pelos meus ouvidos adentro como mel.
Murphy, a verdadeira antítese de frontman, (o que o torna, provavelmente o melhor frontman que os LCD poderiam querer ter), começou a fazer me lembrar momentos importantes da vida dos LCD, muito bem intercalados com as musicas novas.
Uma entrada triunfal com “Get Innocuos!”, a que se seguiu uma das minhas preferidas de sempre “You Wanted a Hit” e que so conseguiu ficar melhor quando de seguida chegou “Tribulations”. Daqui em diante não podíamos esperar mais do que uma festa do caraças.
E foi o que aconteceu.
E até a versão que Nancy Wang fez de “I Want Your Love” dos Chic fez todo o sentido.
Sentiamos entretanto que a festa estava a acabar. E o meu coração começava a ficar apertado.
Se há coisa que eu aprendi entretanto é que não devemos pensar nisso, e devemos sim sentir tudo até ao fim, como se não fosse acabar nunca. E James Murphy, que nem estava muito falador naquele primeiro dia, antes de “How Do You Sleep?” explicou-nos que iam sair de cena, só para ir a casa de banho, para depois voltar, que ja sabíamos como funciona e que é assim que tem que ser, que já não vão para novos e que depois ainda ia haver mais três musicas. Aconteceu a mesma coisa no dia a seguir antes do encore.
Foto da Chavininha, dia 2 |
Mas, naquele primeiro dia de concertos, James Murphy, disse-nos ainda uma coisa que me deixou a pensar: segundo a internet, alguns dos principais visitantes do site dos LCD são de Lisboa (suponho que ele tenha querido dizer de Portugal...), e que ele nunca ter entendido o porquê deste fenómeno. (Até aqui tudo bem, pensei eu). Até porque, ele já sabia que em Portugal gostamos de festa, de estar na festa e de fazer a festa. E que, de facto, aquele momento era um momento de festa. Ponto. Mas que, se virmos bem, as letras deles são tristes, apesar da festa.... O que, se calhar, ele não sabe é que estamos no pais do fado… e o que é isso do fado senão uma musica triste?
Voltaram. E voltaram para o melhor encore que se podia pedir, “Oh Baby”, “Dance Yrself Clean” e para acabar como todos os concertos dos LCD Soundsystem, em festa com “All My Friends”. Acabada a festa daquele primeiro dia fui descansar, com a certeza que a festa do dia a seguir seria igualmente muito boa.
E foi.
Foto da Chavininha, dia 2 |
Embora tenha tido exactamente a mesma base de festa e um alinhamento suficientemente diferente e muito semelhante ao do primeiro dia, este segundo dia de LCD Soundsystem, para mim, foi mais emocional e teve muito mais murros no estômago. Daqueles que eu evito sempre que me atinjam, mas que ali não tinham outra hipótese: “Yeah”, que levou o Coliseu a uma outra dimensão, “Home” faz me ter saudades de uma Chavininha que já não existe, “Emotional Haircut” que me lembra o futuro e me faz sorrir, e a fatídica “New York, I Love You But You’re Bringing Me Down” que me faz chorar daquelas lágrimas mesmo gordas e que saem do coração, nada a fazer. Foi, no meu caso, um concerto que me trouxe ao de cima todos os medos que eu achava qe estavam ja arrumados em caixas, mas que, ao nível da psicoterapia, deve ter funcionado muito melhor.
Como diz Kalaf Epalanga na citação que está lá em cima, as canções são, para mim, memórias, nada a fazer.
A musica continua a perpetuar em mim a sensação de que se há um Deus, ele só me chega com ela e que o devemos ir adorar tantas vezes quantas possível, mesmo que, para isso, tenhamos que levar murros no estômago, chorar, cantar e, no fim, sentirmo-nos em paz.
Em resumo: os LCD Soundsystem fizeram naquelas duas noites de Coliseu cheio aquilo que lhes compete: uma festa. E foi uma festa tão bonita que, mesmo de outro prisma e com outra perspectiva, nunca me vai sair da memoria. Como nas fotografias, aquelas duas noites vão ficar gravadas na minha pele para sempre. Como qualquer concerto dos LCD Soundsystem deve fazer.
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