Ao Vivo: Massive Attack no Campo Pequeno
(nota inicial: demorei a assimilar tudo. Não é fácil escrever sobre um concerto, quanto mais um dos Massive Attack com tanta carga politica e social. Este não foi só (mais) um concerto. foi um manifesto. E, por isso, fica a sensação que a mensagem vingou sobre a música. Talvez, às vezes, em demasia.)
Em 2016, tive finalmente a oportunidade de os ver ao vivo, no SBSR, e, nessa altura escrevi que foi um concerto «tão actual que dói, tão real que mexe, tão intenso e marcante que vai ser difícil esquecê-lo».
A verdade é que, no passado dia 18 de fevereiro, o sentimento não foi diferente.
Por ocasião do 21º aniversário de Mezzanine (o mítico álbum da banda que toda a gente ouvia incessantemente no final do anos 90, início de 2000), os Massive Attack voltaram aos palcos, com um espectáculo audiovisual. Já se esperava que não fosse um concerto «normal» ou em jeito de best-of, acho eu. Afinal, era tempo de celebrar Mezzanine e a sua revisita no século XXI.
Foi tocado integralmente, ainda que não tenha sido por ordem, e o alinhamento incluiu também temas de bandas que os influenciaram ou que foram utilizados em samples, como "10:15 Saturday Night" dos The Cure, "Bela Lugosi's Dead" dos Bauhaus, "Where Have All the Flowers Gone" de Pete Seeger e "Rockwrok" dos Ultravox.
Tudo muito simpático mas, confesso que "I Found a Reason" dos Velvet Underground, que abriu oficialmente a noite, deixou um pouco a desejar - oficialmente porque, sem sabermos, o espectáculo já tinha começado com o audio de canções de Madonna, Aerosmith, Robbie Williams e Britney Spears, todas lançadas em 1998, (mas que nos puseram a cantar e a dizer aquelas coisas do "eu já não ouvia esta musica há 20 anos!!!! Como tem que ser, digo eu...). Sem qualquer toque «Massive Attack», foi interpretada pela banda que os acompanhava em palco, sem que ninguém se tivesse dado conta, como se ainda estivéssemos em modo pré-concerto.
"Risingson" foi o tema que se seguiu, abrindo finalmente a porta de Mezzanine.
Sobre o disco, já pouco há a dizer. É um álbum cru, urbano, anti-sistema, quase como um manifesto político e social em que a mensagem é o principal.
Ao vivo, esse conceito torna-se ainda mais forte. Os Massive Attack, escondidos na penumbra, são apenas um veículo que nos entrega as mensagens. Nesse contexto, Liz Fraser, mais do que Horace Andy, é como um raio de luz ao fundo do túnel, muito por culpa da sua voz celestial.
E esso talvez tenha sido o elemento mais reconfortante de todo o espectáculo.
Mezzanine XXI é um murro no estômago. O espelho da humanidade. O confronto com a «nossa» pior realidade, com os nossos piores vícios.
O mundo mudou muito em 20 anos e se nos basearmos apenas no material exposto nos ecrãs e seleccionado por Adam Curtis (o documentalista britânico que captou aquelas imagens), mudou para pior.
O culto da fama, as sucessivas crises financeiras, as ditaduras encapotadas, o populismo, as redes sociais, a crise e o abuso de pain killers (de que sempre se falou em "Inertia Creeps"), a breve menção a Avicii com "Levels" a anteceder "Ground Four", as mensagens que nos iam chegando nos ecrãs e mesmo o jogo de luzes fortes e por vezes agressivas, foram uma espécie de figura de estilo subtil mas certeira, incisiva e se calhar até necessária.
Sim, é verdade que, por muitas vezes, foi como se estivéssemos a assistir a um documentário.
Os Massive Attack não se dirigiram ao público uma única vez. É habitual, mas tornou a coisa demasiado mecânica, e se calhar, considerando o ambiente «pesado», era importante que o tivessem feito uma ou outra vez. O que aconteceu no Campo Pequeno limitou-se a isto: chegar e debitar canções com mensagens.
Como seria de esperar, o público ressentiu-se, e a sua participação foi quase inexistente. A «frieza» demonstrada em palco reflectiu-se no outro lado. A malta foi-se distraindo em conversas, copos e "entra e sai". Talvez a sequência final tenha sido a maior excepção: "Angel", "Teardrop" e "Group Four" ajudaram a que os telemóveis ficassem todos em punho e que se cantarolasse qualquer coisa (que diz que é o que toda a gente faz agora nos concertos quando conhece as músicas.)
O espectáculo terminou em suspenso, para muitos, abruptamente, com os últimos acordes de "Group Four" a ressoar no recinto, e no ecrã gigante uma mensagem social/politica:
«Estamos presos numa espiral sem fim, está na hora de deixarmos os fantasmas para trás e começarmos a construir o futuro»
Para os Massive Attack, o poder é nosso, e mudar (tudo) está nas nossas mãos. Foi esta a mensagem que eles nos tentaram passar ao longo de todo o concerto.
Se não for por mais nada, que Mezzanine XXI seja uma "wake up call", (mais) uma forma de nos provocar, de nos fazer reagir, antes que seja demasiado tarde.
Não tenho muito a acrescentar àquilo que a Concertina já foi contando sobre o que aconteceu no Campo Pequeno. As nossas experiências foram diferentes, não só porque somos pessoas diferentes (e isso, quer se queira quer não, faz sempre a diferença), mas, porque este foi o eu primeiro Rendez-Vous com os Massive Attack.
Não que, na realidade, isso mude muita coisa. O que para mim muda, é que continuo a achar que, por "influência" de Bansky, ou mesmo só continuando a seguir a tal premissa que fez com que se criassem os Massive Attack (a de crítica a uma sociedade podre e afins...) este concerto merecia ter sido visto por um público mais atento e menos sedento de um best-of, que nos fez concordar (a mim e à Concertina) no fim do concerto, e de imediato, que as pessoas não sabiam ao que iam.
O que, a meu ver, foi uma pena.
Não sei se pelo meu marcado "mau feitio", se por outro motivo qualquer, acho sempre necessárias estas simbioses entre a música e a realidade, entre o que acontece e o que se poderia mudar, entre a arte e a realidade. Para mim, esta revisita a Mezzanine correu bem, e foi uma noite bonita, que me desassossegou, mas que me deixou de barriga cheia.
nota final - a premissa era «O dueto de trip hop britânico composto por Robert Del Naja e Grantley Marshall, apresenta MezzanineXXI, um novo espectáculo que consiste numa produção audiovisual (...) O espetáculo irá reinterpretar “Mezzanine” vinte e um anos depois do seu lançamento». Não se entende por isso o desagrado das pessoas, a irritação quando o concerto terminou, sem encore. Era de "Mezzanine" que se falava - estavam à espera de quê?
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