Corrida ao Mercury Prize 2018: Everything is Recorded


Para falar em Everything is Recorded, é imperativo que se comece por falar em Richard Russel, o dono da XL Records, não só por ser ele o “dono” do album, mas também por ser um nome incontornável nos últimos 30 anos do que de melhor se faz musicalmente neste planeta.


Russel, que gravou com Gil Scott-Heron, Tom Yorke ou Adele (só para não estar aqui a escrever nomes mais não sei quanto tempo), decidiu gravar-se a ele mesmo desta vez, depois de se ter visto a braços com um grave e incapacitante problema de saúde, que o deixou quase totalmente paralisado.

Depois de um momento destes, qualquer pessoa decide mudar a sua vida, aqui não há duvidas nenhumas, e Russel, não sendo excepção, decidiu gravar este Everything is Recorded, gravando ele mesmo todos os beats, todos os sintetizadores e guitarras… mas convidando amigos para o ajudar a cantar as suas palavras e para o ajudar a transformar esta experiência em arte.


Russel defende a ideia das que “tudo é gravável” e “tudo fica gravado” e vai buscar artistas que lhe tocam no coração para fazer um dos álbuns incontornáveis de 2018.

No entanto, Everything is Recorded não é sobre a doença, e nem sequer deve ser encarado de forma triste ou melancólica: é um álbum sobre a memória de cada um, sobre a dificuldade de nos expressarmos e a vida que vivemos hoje em dia. 

“…there are moments in our lives where we feel completely alone…”


Do álbum, destaco “Be My Friend”, um hip hop/Rn’B com um ritmo magnético, muito à conta da voz de Infinite, que é tão bonita e tão marcante, “Mountains of Gold” (com Sampha, Ibeyi, Wiki e Kamasi Washington) um som muito Rn’B da nova escola, com um toque de novo e nada de antigo, de onde se distinguem as vozes mas de onde se deve sempre ressalvar a mensagem, com um jeito quase em gospel e que debita em nós uma sensação de esperança de que o mundo pode mesmo ser mais bonito.

Não é possível passar ao lado de “Show Love” (com Sampha e Syd), uma das melhores músicas do projecto, para mim, que adoro o refrão e que acho que Syd “casa” muito bem com a suavidade de Sampha, formando um dueto que, em algumas alturas e em alguns sítios, me lembra o som de Maxwell. Outro dos momentos que me marca mais deste álbum é a versão de “Cane”, um original de Gil Scott-Heron, regravado com a ajuda mais do que preciosa das Ibeyi. As Ibeyi são uma das pérolas do novo indie, e, de facto, as vozes delas são maravilhosas, angelicais e fazem toda a diferença, como já o tinham feito em "Mountains of Gold". O sample da música é memorável e as palavras fazem ainda mais sentido num álbum que podemos considerar ser, ele mesmo, também uma intervenção.


“…love forgiving, real and mend, Never leave Me, Be My Friend…”

A música que fecha o álbum tem o mesmo nome dele: “Everything is Recorded” (com Sampha e Owen Pallet) que tem tanto de Rn’B como de tango, tem tanto de alegre como de melancólica e tem tanto de Sampha e de Pallet como de Richard Russel, resumindo na perfeição o conceito do álbum e a história que ele tem por detrás. Se tivesse que resumir o álbum a uma música teria que ser esta. Nada mais a dizer. 

Everything is Recorded é um álbum urbano, um álbum com uma mensagem muito forte e muito real, não só pela própria historia dele como pelas histórias que nos conta em cada uma das suas músicas. 
É um momento cheio de significado, que ainda se torna maior se o ouvirmos com atenção, se escutarmos os sons e as melodias, os ritmos e os beats, mas também as palavras e os silêncios que ele nos traz.

Tudo isto ainda ganha mais significado se sairmos de dentro de nós, observando isto de fora e considerarmos que, hoje em dia, tudo é gravado, lido, postado, likado, hakeado e público. Mesmo aquilo que não era suposto.

Nos dias de hoje, onde tudo é publico, Everything is Recorded traz uma das mensagens mais reais dos últimos tempos: "...it is possible to be alone and not live alone / It is possible to feel alone and not work alone..."

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