Memórias de um (último) dia de Paredes de Coura

Foto de Ivone Campos.
É público que eu defendo que devemos sempre voltar aos sítios que nos fazem felizes. Não para repetir experiências que já passaram, mas, para criar memórias que nos vão aquecer momentos frios que possam chegar com o futuro.

Ir a Paredes de Coura, ouvir musica ao pé do Tabuão é exactamente isto: voltar a um sítio onde sei que vou ser feliz. Independentemente da quantidade de dias em que lá estamos, independentemente da companhia, ou do que estamos a ouvir, a verdade é que, em Paredes de Coura, há sempre que considerar a felicidade. Não só a que vem com as notas de música, mas a que nos invade quando lá estamos, e que teima em transformar-se em saudade quando acaba o festival e o guardamos na gaveta das memórias boas.

Este ano não foi excepção: tínhamos que ir a Paredes de Coura, num último dia esgotado pelos Arcade Fire, mas que, para mim, estava recheado de outras coisas muito boas.


Assim, a nossa tarde começou com Myles Sanko. (Que se não fosse a quantidade de calor que se fazia sentir no recinto, me poderia pôr a dizer que nos aqueceu a alma (...parece-me que é melhor não ir por aqui…)). O que dizer do concerto curtíssimo de Myles Sanko? Que soube pegar num público que dançou e cantou com ele, que nos passou o gospel do amor que levou às margens do Tabuão, e que me deixou com vontade de ouvir mais. O que, para primeira actuação do dia, me fez achar que, mais uma vez, em Coura, estamos sempre na data certa e à hora certa.

Foto de Concertina

Depois veio uma das minhas apostas do dia, Curtis Harding. Que, para ter feito mesmo bonito, deveria ter homenageado a rainha Aretha Franklin, mas ter-se-á esquecido...
Curtis foi muito conciso a fazer o que faz de melhor: a levar-nos a passear por Memphis, e pelos blues americanos. E pronto, não tenho mais nada a declarar a não ser que ele é divertido e um bom show-man. Se calhar, as minhas expectativas estavam muito altas e achei que, em alguns momentos, a coisa poderia ter sido menos linear e concisa, e ser mais emoção. 


Foto de Concertina

Curtis Harding não me decepcionou, mas também não me emocionou por aí além, na verdade. Mas foi uma boa passagem para um dos momentos que eu mais esperava deste último dia de festival: era hora de ir ver Silva.
Era hora de deixar o coração explodir de felicidade, de sambar um bocadinho, de electrizar musicas da Marisa, e de ser "Brasileiro".


Foto de Concertina
Confesso que Silva era daqueles concertos que eu queria muito ver, mas que tinha medo que não fosse tão bom como eu achava que ia ser. No caso, ainda foi melhor. Houve temas de “Silva canta Marisa” e de "Brasileiro", houve “A cor é Rosa” e acabámos com “Fica Tudo Bem”, daquela forma que só se sabe fazer no Brasil: suave e doce, sem coisas desnecessárias. Cantámos e dançámos com Silva porque sim, no fim fica sempre tudo bem. Foi um dos meus momentos preferidos do Vodafone Paredes de Coura 2018. Mas espero apanhá-lo noutro sitio, a outra hora, num concerto só dele.  



Depois disso, coisas da vida dos festivais: comeu-se, bebeu-se café, houve cachecóis que foram dados como perdidos e malas que se esbardalharam, nada de novo… Houve muitos milhões de gargalhadas e histórias que se contaram enquanto Yasmine Hamdan tocava “lá ao longe” e se tentava controlar a ansiedade de voltar a ver os Arcade Fire. 

(Poderia dizer também coisas sobre os Dead Combo. Muitas. Mas, na verdade, e apesar de também os termos ouvido, e até visto, o que acontece é que eu estava (já) só à espera dos Arcade Fire. Ponto.)



Como eu comecei por dizer lá em cima, acho que devemos sempre voltar aos sítios que nos fazem felizes. Acontece-me o  mesmo com os Arcade Fire: até nem sou a maior fã que existe, antes pelo contrário, arrisco até o dizer que não sou fã, se calhar. Para mim, os Arcade fire só me fazem sentido ao vivo. 
E não, também não estava à espera de nada tão grandioso e perfeito como o que aconteceu em Abril no Campo Pequeno. Até porque não era isso que ninguém no seu juízo perfeito ia estar à espera. (Digo eu...)

Mas da realeza do indie, não se espera nada menos que muito bom. Ponto. 
Ainda por cima em Coura, esse sitio mágico que os trouxe à Europa há 13 anos, pela primeira vez. Era este o cenário em que estávamos.

Foto de Concertina

Independentemente do que dizem as más línguas, a mim “Everything Now” faz muito sentido. Da mesma forma como me fez sentido aquela setlist de “clássicos” dos últimos 13 anos em modo rock-dançante: "Rebellion (Lies)", "Keep The Car Running" e "Ready to Start", que se misturam na sua plenitude com “Electric Blue” ou “Put Your Money On Me”, e que nos levam numa das minhas viagens musicais/espirituais preferidas com “Reflektor” e “After Life” (onde não há como não ter ali Bowie. Nem que seja a espreitar num ecrã. Ámen.)

Arcade Fire, que, sempre maravilhosos, dedicaram "The Suburbs" a Aretha Franklin, que desafiaram Trump com “Intervention” e que eu acho que ficaram a achar que, tudo em Coura é melhor que nos outros sítios todos. Outra vez. Que se lembraram de 2005, e que voltaram a dizer que tem connosco uma ligação demasiado forte. Eles que voltaram a trazer “Everything Now”. E que nem poderiam pensar em ir embora sem trazer “Wake Up”. E que ficaram connosco a cantar Lou Reed. 
E não, nem vou perder tempo a falar outra vez em Will ou em Régine. Não vale a pena estar sempre a dizer a mesma coisa acho eu... mas eu repito só isto: realeza. Ponto. 

Foto de Concertina

Foi tão bonito estar ali. 
Especialmente quando, no fim, e já quando a felicidade de ter lá estado se começou a transformar em saudades (que é uma coisa que começa a acontecer assim que acaba o último acorde da ultima musica da noite…), de repente, começa a festa outra vez: confettis, balões e o som dos LCD Soundsystem, com o mítico "All My Friends". Porque Coura acaba sempre em festa, e ninguém sabe fazer isto melhor que eles.
E ali, naquele momento, dancei tudo o que ainda não tinha dançado com Silva ou com os Arcade Fire, independentemente de alguém poder estar a ver (...ou não....). E ainda agora, enquanto acabo de escrever isto, sou feliz com esta(s) lembrança(s).
Porque Coura é "só" isto: é ser feliz. Sempre.

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