Ao Vivo: Arcade Fire no Campo Pequeno
[nota inicial: não é o meu primeiro concerto dos Arcade Fire, se a memória não me engana, apenas falhei o de Paredes de Coura quando ainda ninguém os conhecia. Desde "Funeral" - que, para mim, ainda é "O" álbum - que os acompanho, e desde 2007 que tenho a sorte de os ver ao vivo sempre que eles andam por cá.]
Créditos: Concertina |
Arena do Campo Pequeno em Lisboa esgotada e transformada em ringue, para receber o primeiro concerto em nome próprio dos reis do indie, Arcade Fire.
Os bilhetes esgotados desde o primeiro dia ajudaram a criar a expectativa necessária: será que Win e Régine nos iam surpreender mais do que das outras vezes? Daquelas em que saímos sempre de barriga cheia? Ou será que, com a fraca receptividade de "Everything Now", eles próprios iam ser menos?
Assim que os ecrãs se acenderam e a voz off anunciou a entrada da banda, a arena estremeceu pela primeira vez. Era tempo de começar o combate.
De um lado, músicos prontos para se defenderem depois das críticas menos boas sobre "Everything Now" - incluindo a nossa. Do outro, gente ávida por apoiá-los, cantando, aplaudindo e gritando.
Vinha aí a tempestade perfeita.
Créditos: Concertina |
Miss Régine toma as rédeas do espectáculo, e encanta em "Electric Blue"; em "Put Your Money On Me", é a cumplicidade entre os dois que nos conquista. A maravilhosa "It's Never Over (Hey Orpheus)" abre caminho a um momento mais saudosista: "7 Kettles", "Laika" e "Tunnels", temas incontornáveis de "Funeral".
Mas é a sequência seguinte que, para mim, se torna num dos momentos (mais) altos do concerto: "The Suburbs", "Ready To Start" - que tem sempre o condão de fazer explodir qualquer recinto - "Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)" - de novo, Régine a brilhar intensamente - "Reflektor" e "Afterlife" a porem toda a gente a dançar livremente.
"Creature Comfort" e "Power Out" encerram a primeira parte com uma energia fantástica, e se o concerto tivesse terminado ali, naquele momento, sairíamos de alma cheia.
Os Arcade Fire deram tudo o que podiam, e o público respondeu na mesma moeda. Há muito que não sentia um equilíbrio tão grande entre músicos e público.
Muito por culpa do alinhamento, sem falhas, que foi integrando os novos temas por entre os clássicos e até recuperou alguns dos mais antigos. Mais do que suficiente para nos fazer vibrar do primeiro ao ultimo segundo.
Mas havia mais.
O «encore» começa calmo com "We Don't Deserve Love", antecipando a entrada dos Preservation Hall Jazz Band (que fizeram a primeira parte) ao som de "Everything Now (continued)". Ouvem-se os acordes de "Wake Up", qual cereja no topo do bolo, e a interpretação conjunta é simplesmente fenomenal e arrepiante - levando-nos a pertencer a esse tal mundo ideal, onde somos todos só um (parafraseando John Lennon).
Continuamos a cantar, a banda (de saída) a tocar por entre o público - como num desfile de Mardi Gras em New Orleans. Presenteiam-nos com uma versão de "Rebel Rebel" do Bowie para delírio de todos nós e continuam, corredores fora, a tocar...
Felicidade estampada nos rostos de todos, músicos e público.
Comunhão perfeita.
Do inicio ao fim, num Campo Pequeno lotado de vozes em uníssono e em ambiente de festa, os Arcade Fire mostraram-nos mais uma vez do que é feita a verdadeira essência da música: largarmos tudo o que somos e o que pensamos e entrarmos numa espécie de transe onde a única coisa que conta são os sentimentos. Mesmo que, no meu caso, eles nem sejam uma das minhas bandas preferidas.
Já se tinha sentido algo parecido no concerto dos Alt-J, mas os Arcade Fire superaram a fasquia.
Não se esperava outra coisa, eles são, sem sombra de dúvida, uma das maiores bandas do século XXI.
Até podem ser canadianos, mas encarnam na perfeição aquele mundo de festa de New Orleans, com a sua parafernália de instrumentos, a alegria, a musica que transborda por todos os poros, o improviso, a diversão.
Celebram a música e a vida, como se não houvesse mais nada para além daquele momento.
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