a música de Sassetti


Ontem, foi noite de concerto no São Luiz. No âmbito do ciclo de homenagem a Bernardo Sassetti, o Trio voltou a reunir-se em palco, com alguns convidados. Uma hora e meia de jazz, numa sala simpática e composta, a fazer sonhar com clubes de New Orleans. Uma hora e meia de mestria de Alexandre Frazão (na bateria) e Carlos Barreto (no contrabaixo), acompanhados ao piano por outros grandes talentos e com excelentes apontamentos de sopro e cordas. Uma hora e meia em que, sem palavras, se recordou o génio, o músico, o amigo, o homem.

Uma hora e meia que soube a pouco. Que nos recorda de uma ausência que dói. E ao mesmo tempo, uma presença, que temos o privilégio de sentir. Na sua música.

Nenhuma outra notícia envolvendo alguém que não conhecia pessoalmente me terá custado tanto como a morte de Bernardo Sassetti. Dos compositores actuais, é provavelmente o que mais me emociona. Tive oportunidade de o ver ao vivo algumas vezes, com o Mário Laginha e o Pedro Burmester (no projecto 3 pianos), com o Trio, e com a CNB, no projecto uma coisa em forma de assim (que eu ainda espero ver lançado em DVD).

Quatro momentos distintos, tanto em concepção como em géneros musicais, mas em que se sente a sua genialidade e a sua versatilidade como músico. Quatro espectáculos em que nos agarra desde a primeira nota.

O primeiro foi o que mais me marcou. A comunhão com o Laginha e com o Burmester foi completamente arrebatadora. Cheio de momentos altos, vê-los a tocar a três mãos num só piano, foi algo que nunca irei esquecer. Tal como o meu tio, que me fez companhia. Pianista experiente, conheceu o Bernardo quando este tinha apenas 14 anos, e nessa altura, já o apelidavam de “brilhante”. O meu tio acompanhou todas as notas, todos os compassos, todos os andamentos, emocionou-se. Não sei se chorou. Mas sei que o vi orgulhoso. E feliz.

Ver - e ouvir - o Sassetti com o Laginha e o Burmester é perceber que ele é um pianista clássico.


Ouvi-lo com o seu Trio, é perceber que ele nasceu para o jazz, para o improviso.


Escutá-lo em versão banda sonora - os temas de Alice são apaixonantes - é perceber que a música faz parte do filme que faz parte da música. Como um movimento circular. 


E vê-lo ao piano num espectáculo de dança contemporânea é perceber que ele respira arte.

Bernardo Sassetti escreveu um dia que «qualquer forma de arte deve ser um meio de exploração das nossas convicções pessoais, ainda que possa ser um exemplo vivo de fragilidades e indecisões, tanto humanas como artísticas». E talvez tenha sido por isso que a sua morte me tenha feito tanta confusão. Por ter visto os seus projectos interrompidos. Por sentir que ele tinha ainda tanto com que nos presentear.

Resta-nos a sua música.

Até sempre, Bernardo.

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