A raíz (nada) quadrada de Stromae

Ora bem, antes de mais, eu assumo que só fui ouvir o novo álbum de Stromae, "Racine Carrée", porque falámos há dias dos prémios da música franceses e o moço venceu três. De outra forma, provavelmente nem falaríamos nele. E isso seria uma falha aqui no estaminé.

Stromae, para os mais desatentos, é um músico belga de origem africana, e o nome artístico é uma espécie de inversão da palavra "maestro", na linguagem urbana "verlan", o calão francês. Os menos desatentos devem lembrar-se dele há uns anos, com "Alors On Danse" - um sucesso na altura, e ainda tão actual...



"Racine Carrée" é o segundo registo de Stromae e é um disco de canções, dizem os críticos. E de intervenção, digo eu. Porque aborda temas (sempre) importantes, pessoais e sociais, com uma batida ora mais pop, ora mais electrónica, como se para retirar a carga emocional da mensagem, sem nunca esquecer a subtileza ou o tom irónico nas suas palavras.

"La Fête", o tema de abertura, é, se quisermos, a ligação ao álbum anterior, "Cheese", e sobretudo a "Alors On Danse". Quase como a ruptura, em jeito de «wake up and smell the coffee, party's over». E assim, começa a revolução. não tão silenciosa.

"Papaoutai" é autobiográfico, que relata o desaparecimento do seu pai (que morreu em 1994 no genocídio no Ruanda), e consequentemente a falta de referências masculinas. Segue-se "Bâtard", o (primeiro) toque mais social, é um ataque à homofobia, ao racismo, ao sexismo, à postura desinteressada de todos e de cada um.




"Ave Cesária" é bonito. Uma homenagem a Cesária Verde, com cheirinho à terra natal da grande figura das músicas do mundo. Stromae convidou os músicos que a acompanharam a participar neste tema, e o que fica é um «obrigado», o que fica é «saudade».

"Tous Les Mêmes" aborda os problemas nas relações, a violência emocional, e a ironia: «il n'y a que Kate Moss qui est éternelle». O tema mantém-se em "Formidable", a canção maior do disco - que é o dia seguinte, ou neste caso, as horas seguintes a uma separação. e, acreditem, não dá para dissociar a canção do vídeo, aquele ar ébrio, desgostoso de Stromae. O ritmo contagiante e um refrão que não descola.

E depois, os temas sociais. Em "Moules Frites", que à primeira escuta não tem nada de extraordinário, a referência ao flagelo das doenças sexualmente transmitidas, nomeadamente a sida. "Carmen", uma ode à "Carmen" de Bizet, atualiza a melodia e transforma-se numa canção de intervenção sobre o consumismo, o twitter, a internet.




"Quand C'est" é o cancro, o tabaco - «cancer quand est'ce que tu pars em vacances?» ; "Sommeil" e os excessos, todos eles. "Merci", tema instrumental, aparece como um momento de contemplação antes da "machadada" final. O piano a ganhar destaque por entre as teclas e as novas tecnologias do mundo da música. Lá mais para o fim, ouvem-se vozes e parecem celestiais.

O fim. "AVF" (Allez Vous Faire) é incisivo: «je ne dis pas ce que je pense, mais je pense ce que je dis». O grito final de revolta, a chamada de atenção para o estado das coisas, a responsabilidade social, a tolerância, a cidadania - ou a falta delas. A austeridade, o capitalismo, a ironia sempre presente: «riches et malheureux, mais heureusement qu'on a l'euro».

E as melodias? Uma miscelânea complexa de electrónica dos anos 90, rap, hip-hop, um pouco de rumba e de salsa, e claro, a "chanson française. E cheia de pequenos detalhes que nos entretêm. Mas para mim, o que mais sobressai neste disco é a poesia, são as letras das canções. O instrumental distrai-nos, sim, mas as palavras de Stromae provocam-nos, e por vezes até nos irritam. Mexem connosco. Dão que pensar. E isso faz tanta falta hoje em dia...

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