A poesia dos Alt-J

Já ouvi "This Is All Yours" várias vezes.
O segundo dos Alt-J demorou a ser assimilado.
É mais calmo, mais downtempo no geral, menos urgente, mais negro.

A partida de um dos elementos da banda gera sempre sentimentos contraditórios, e a sonoridade reflete isso mesmo. Ora mais calma ora mais mexida, mais ou menos sintetizadores, mais ou menos guitarras, criando muitas vezes pedaços tão diferentes - lá está de novo a «tal» liberdade criativa.

Mas há um elo comum, que vamos descobrindo nas letras. O amor, e como lidamos (ou não) com ele. Com as suas fraquezas, o seu desaparecimento, com o caos que deixa atrás de si.

"Intro" marca o ritmo, uma entrada em modo psicadélico até ao minuto 3'20'' - e já se sabe o quanto eu gosto do psicadélico. A coisa anima-se durante o minuto seguinte com mais instrumentos e sobretudo mais energia.

Estamos em viagem e o ambiente inicial é melancólico. Em "Arrival In Nara", num registo calmo e acústico, domina um sentimento de aprisionamento.





O destino é "Nara", uma cidade japonesa, um local onde os veados correm livres e serve de analogia para o que deveria acontecer em sociedade, no que à liberdade de escolha diz respeito.





Libertam-se amarras e aparece em "Every Other Freckle" o lado mais sedutor dos Alt-J. A canção que transpira sensualidade, dá depois lugar a uma disputa em "Left Hand Free": o tema menos Alt-J de sempre, que para mim tem qualquer coisa de The Black Keys - e até agora talvez tenha sido a canção que mais colou.





Segue-se a separação, a falta que alguém nos faz em "Hunger Of The Pine". O embalo é feito por uns Alt-J a piscar o olho - e bem - ao trip hop de Bristol, aos anos 90, aos Portishead e aos Massive Attack.




A saudade, a dor da partida, as recordações mantêm-se em "Warm Foothills", chegando depois a mágoa, a raiva de "The Gospel of John Hurt". Chega a constatação da perda e com ela o medo da solidão, tão expressivos em "Pusher".





E é esse medo que nos leva a "Bloodfloods pt II", o outro lado da canção com o mesmo nome do primeiro álbum. E onde antes se falava de receios em estar com alguém, agora fala-se de sentimentos. Do lado mais físico, de adrenalina, de vício.





A caminhada está a chegar ao fim, e em "Leaving Nara" regressamos aos sons de "Nara", esse porto seguro, e à sua mensagem: «love is the warmest colour».
Como se de um grito de esperança se tratasse.

Porque o amor - e a liberdade - são uma luta diária.

"This Is All Yours" é mais negro que o seu predecessor.
As letras são misteriosas, enigmáticas, um quebra-cabeças, por vezes.
Mas talvez seja esse lado mais poético das suas canções que irá manter vivo o entusiasmo à volta dos Alt-J.


«If you're willing to wait for the love of your life
Please wait by the line»

(Alt-J, em "Pusher")

nota final: a versão de "Lovely Day" de Bill Withers é um «bonus track», tão longe do original que a torna irreconhecível à primeira escuta. mas interessante.

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