Everyday Robots: o lado intimista de Damon Albarn

Antes de mais, vou pôr tudo em pratos limpos.
Assumo que nunca fui grande fã dos Blur, sempre gostei mais dos Oasis.
(it is what it is. deal with it)
Mas sempre achei Damon Albarn um tipo com visão e ideias giras, sobretudo fora dos Blur - estão a ver os Gorillaz? pois.

Claro que depois de tantos projectos, o moço tinha de se aventurar a solo. E, acreditem, não se saiu nada mal.
Aliás, diria mesmo que "Everyday Robots" é um dos discos do ano.
Pelo menos, para mim (e soa mesmo bem como disco de outono, apesar de ter saído em Abril).





Em "Everyday Robots", estamos bastante longe da euforia punk, rock, indie dos Blur.
É um disco mais introspectivo - com momentos pessoais e até autobiográficos - em que Albarn expõe a sua infância, a sua experiência com as drogas, e a sua opinião a invasão da tecnologia e como isso nos afecta e influencia.
E se expõe também enquanto compositor e vocalista: a sua voz tem uma musicalidade que eu não lhe reconhecia nos Blur.

É com o tema título - que tem uma melodia envolvente de «strings» que arrepiam tanto como acalmam - que se dá o início da descoberta do mundo de Damon Albarn, num registo calmo, downbeat, clássico, melancólico até.
Que se estende a "Hostiles" - uma das mais belas composições do disco e provavelmente a mais bonita sobre o tema da «ressaca»  - e a "Lonely Press Play", que soa honesta e doce, quando Damon entoa «Cause you're not resolved // In your heart // you're waiting for me... // To improve». 




A sua melodia mais upbeat leva-nos até "Mr Tembo", que é talvez a canção que menos encaixa neste disco. Com os seus ritmos africanos, dá logo vontade de bater o pé e abanar ligeiramente o esqueleto. E nos faz recordar Jack Johnson com o seu "Upside Down".
Delicioso, o rap de Damon Albarn a acentuar aquele sotaque british...


"Parakeet", um tema instrumental antecede "The Selfish Giant", a minha canção favorita. Uma introdução clássica, com o som do piano a chegar perto - e sim, o piano é elemento essencial em quase todas as canções deste disco. Com a presença vocal angelical de Natasha Khan, aka, a voz dos Bat For Lashes, cria-se uma canção brilhante, com um toque de jazz que me (pre)enche por completo.
Deslumbrante...





Da relação com outra pessoa para a relação com a heroína nos anos 90.
"You & Me" são duas canções numa. Um ambiente cinzento, duas histórias, a mesma pessoa, ou os dois lados da mesma pessoa. A primeira "You", mais crua, a segunda "Me" mais melódica.

As melodias envolventes continuam com "Hollow Pounds", de pedaços acústicos a fazer lembrar os Radiohead, que se juntam a pedaços com instrumentos de sopro e criam um ambiente mais quente, perfeito para a introspecção.
E em "Photographs (You Are Taking Now)", uma alegoria para esta época em que somos «geridos» pela tecnologia.




Damon Albarn livra-se de artíficios e em "The History Of A Cheating Heart" aparece-nos sedutor e vulnerável.
A sussurrar-nos ao ouvido o que lhe vai na alma... «the history of a cheating heart is always more than you know»

E se acham que o moço não é capaz de canções orelhudas quando lhe dá para a melancolia, desenganem-se. "Heavy Seas Of Love" é uma dessas canções. Daquelas que pedem sing-along nos concertos.
Com um coro, com o ritmo de canções que são escritas para animar, uplifting, para puxar por nós tal e qual uma força omnipresente.
E o final instrumental com o piano é absolutamente maravilhoso.





"Father's Daughter's Son" e "Empty Club" fazem parte da deluxe edition e mais uma vez, mostram a musicalidade de Damon Albarn.
A voz é áspera, sim, não tem aquela suavidade que nos habituaram para este tipo de canções mais calminhas.
Mas a batida de fundo, e a melodia e de novo o piano, nomeadamente em "Empty Club", fazem a sua voz brilhar.
E eu até dei por mim a cantarolar.





"Everyday Robots" é daqueles discos que temos de ouvir com atenção para não perdermos os detalhes - que são muitos - e tentarmos descobrir o homem por detrás da figura de Damon Albarn.
Não é tarefa fácil. E se calhar não é assim tão óbvia.
O que é óbvio é que o disco está cheio de subtilezas.
Nas melodias e nas letras, que são das coisas mais interessantes que ele alguma vez escreveu.
E que nos deixa com alguma curiosidade para o que se segue na carreira de Damon Albarn.
Algo de bom, com certeza.

«we are everyday robots on our phones
in the process of getting home»

(Damon Albarn, em "Everyday Robots")

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