Disco do Dia: "i,i", Bon Iver

Hoje, a 6 meses do concerto de Bon Iver em Lisboa, falamos sobre o seu último disco.

Sou sempre suspeita quando falo de Justin Vernon e dos "seus" Bon Iver. É um projecto que me soa bem, que me aquece o coração, que me preenche a alma e aquele vazio que por vezes sentimos cá dentro. Por isso, (quase) tudo o que escrevo é sempre mais emocional do que racional - afinal, é essa a premissa do nosso trabalho, e estes discos servem para nos lembrarmos disso.

Desabafos à parte, "i,i" entrou com pompa e circunstância para a minha lista de discos do ano. Nem me importei muito que Justin tenha usado o vocoder (que tanto me arrepia os ouvidos) ou que tenha dado asas ao seu lado mais experimental, iniciado em "22 A Million".

Aqui, em "i,i", tudo isso faz sentido.
Justin disse em comunicado que "i,i" é o fecho de um ciclo, a última estação, o outono. Para mim, é também a consolidação do trabalho de Bon Iver, juntando o melhor dos três discos num: o lado folk de "For Emma, Forever Ago", o som «paisagístico» de "Bon Iver", e a electrónica de "22 A Million".

As composições são quentes e densas, ricas e coloridas, melódicas e harmoniosas. Estão cheias de texturas e de camadas e de instrumentos que vão da guitarra acústica ao piano, aos instrumentos de sopro e de cordas. A voz de Justin Vernon soa perfeita em todo este "novo" lugar, as suas interpretações estão mais seguras, mais confiantes, como se já não tivesse medo de se mostrar ao mundo.


Líricamente, ouço nas canções deste disco uma chamada de atenção para a forma como nos ligamos a tudo (e a todos) o(s) que nos rodeia(m). Como (re)agimos perante acontecimentos que influenciam as nossas vidas, como nos tratamos uns aos outros. Como tudo pode ser diferente se compreendermos e aceitarmos o poder de uma comunidade, aliás, das ligações humanas.

Para tudo isto, terá contribuído o envolvimento de Justin Vernon no projecto People, uma espécie de comunidade artística. Os Bon Iver são agora muito mais do que uma banda, são um colectivo, e isso sente-se em disco. Há um sentido de partilha, algo tão raro e precioso nos dias de hoje, de harmonia, de comunhão entre Vernon e autores como Aaron Dessner, James Blake, Weezy, Sean Carey, entre muitos outros. Juntos, criaram canções honestas, verdadeiras, emotivas q.b., recordando-nos o bom que nasce do contacto que temos uns com os outros.

O disco começa com "Yi", uma intro com o som dos sintetizadores e de estúdio, a voz de Justin, como se se estivessem a preparar para gravar. Antecipa a entrada de "iMi", a canção criada com James Blake, que empresta a sua voz (distorcida) ao início. É densa e delicada, uma canção onde a voz de Justin aparece em todo o seu esplendor. A linha de piano em fundo é maravilhosa e o instrumental vai ganhando cada vez mais vida à medida que se desenrola. A secção de sopro no final é outro dos pontos altos da melodia, um pico de luz, antes de tudo terminar como começou.


"We" é o tema que se segue, menos electrónico e mais hip-hop / R&B (como não poderia deixar de ser). Cativou-me de imediato, com o seu ritmo, com a sua linha de baixo cheia de groove, uma percussão viciante, elementos clássicos a criarem textura, e, claro, o registo vocal de Justin.  
Em "Holyfields", é o falsetto que mais me prende, mas aquela atmosfera sonora, de planícies sem fim, e que me fazem recordar as canções do segundo disco, é qualquer coisa, sobretudo quando entram os strings no minuto final...


"Hey, Ma" foi amor à primeira escuta. Os sintetizadores abraçam-nos assim que entram em cena, e fazem-se acompanhar de um beep em crescendo. A voz de Justin Vernon está em primeiro plano, tão bonita. A entrada dos drums  dão densidade e intensidade, e a pausa quase abrupta ao minuto 2' deixa-me em suspenso, sem saber bem o que aí vem. O fim é glorioso, a voz serena de Vernon, e o instrumental em crescendo - um momento tão intenso quanto reconfortante. 
Tal como "U (Man Like)", que tem o piano como elemento central. A meio, uma harmónica faz a transição e prepara as entradas de Moses Sumney e do coro gospel Brooklyn Youth Chorus, que lhe dão um toque luminoso.


"Naeem" é, para mim, uma das canções maiores deste disco, que cresce a cada nova audição, e é claramente uma das minhas favoritas de sempre. É avassaladora, não só pela garra e pelo sentimento na interpretação. Mas também pela força do instrumental. É calma, sim, mas tão tão emotiva. O drum set a meio recorda-me a incrível "Perth", a linha de piano é tão maravilhosa, o crescendo instrumental  é assombroso e tenho a certeza que será um momento incrível ao vivo!


À introspectiva e algo atormentada "Jelmore", segue-se "Faith". É um momento mais calmo, emotivo q.b., e a meio a canção ganha outra força (algo tão habitual nas canções de Bon Iver) com tantos e distintos elementos que a compõem. A acústica "Marion", por seu lado, é um clássico que nos remete para os primeiros tempos de Bon Iver e "Salem" tem uns violinos maravilhosos que me arrepiam a pele, um refrão que enche o coração e uma performance vocal tão confiante de Justin Vernon que me faz sorrir. O solo de saxofone em "Sh'diah" é absolutamente arrebatador, um momento de energia pura. O fim chega com "Rabi", canção terna com uma linha de guitarra sedutora e um instrumental tão «cheio» que mais uma vez me aquece a alma.


"i,i" é, para mim, um disco especial. Encontro nele a calma, a honestidade, a reconciliação, o equilíbrio e algum desconforto também. É um disco que reflecte todo o percurso de Justin Vernon, e acredito que todas as suas experiências pessoais e profissionais guiaram-no até este momento tão intenso.
Recheado de canções que me envolvem, que me fazem sorrir e que me aquecem o coração, é bom ouvi-lo sempre, mas sabe ainda melhor nestes dias frios e cinzentos de Outono.

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