Concertinices sobre Discos: edição 2020 (III)

 
Fonte: Pinterest

De repente, estamos em Dezembro, o Natal já passou, e o ano está quase a terminar. Parece que foi ontem que falei sobre os discos que me acompanharam no Verão. Muitos ficaram pelo caminho, que nem tudo encaixa nos meus ouvidos, nada a fazer. Felizmente, outros tantos conseguiram a minha atenção aquando do seu lançamento, e mais importante ainda, foram-se mantendo na minha playlist. E é sobre esses que falarei nos próximos capítulos da edição deste ano das «concertinices sobre discos».


Segundo disco a solo de Selma, e mais um adiamento que talvez tenha corrido pelo melhor, já que o disco apresenta-se como uma luz no meio das adversidades. É um disco com ritmos que se entranham em nós, com emoção e com atitude que se sentem na voz incrível da artista. Selma encontrou a sua identidade musical, e em "Liwoningo", isso está vincado em cada nota de música. Mistura vários idiomas, incluindo macua que é o dialeto falado no norte de Moçambique, claramente uma decisão política, para que o mundo saiba o que lá acontece. De todas, "Hoyo Hoyo" é, ainda hoje, uma daquelas músicas que me enche de boas energias.



É a estreia da celebrity child. Encontro-lhe talento na representação e agora também na música. Maya canta sobre o amor, em todas as suas vertentes, entregando-nos um disco honesto, emotivo q.b., comovente, recheado de canções envolventes e muito bem trabalhadas. Vale muito pela sua voz delicada e suave, que nos toca e conforta o coração. Confesso no entanto que, para mim, a coisa não funciona tão bem quando lhe dá para o rock (em "Animal Enough"), por lhe faltar alguma agressividade. O piano de Norah Jones dá ainda mais brilho à expressiva "Bringing Me Down", e o coro infantil, cortesia das irmãs mais novas de Maya, funciona «sem espinhas» em "Cricket". Infelizmente, não resulta tão bem em "Menace", retirando-lhe aquela aura mais sombria que a canção transmite. Mas, de resto, "Blush" é um disco simpático, doce e, acrescento, uma bela estreia.



É-me sempre difícil falar sobre eles com isenção, porque são uma das minhas bandas favoritas. E, verdade seja dita, apesar de uma ou outra costela mais pop, acho sempre piada aos seus discos. Este não é excepção. Não lhe faltam refrões poderosos (como o de "My Own's Soul Warning), coros vibrantes, orquestrações enérgicas, e um feeling positivo, muitas vezes eufórico, até. A pompa e circunstância de sempre também não ficaram de lado e até se ouve um bocadinho de rock no refrão de "Dying Breed". Torna-se surpreendente com a intensa "My God", com a participação de Weyes Blood, passava bem sem "Caution", mas não resisto ao ritmo de "Fire In Bone". Contas feitas, há dias em que o sinto um pouco religioso a mais, como se procurassem um conforto num sinal divino que teima em não chegar. Outras vezes, é «apenas» um disco luminoso, e divirto-me a ouvi-lo.



O (surf) rock australiano está vivo e recomenda-se. O segundo disco dos RBCF é perfeito para nos acompanhar em dias mais quentes, soando leve, descontraído e positivo. O que mais me impressionou foi o entrosamento, a química, a mestria na instrumentação. Entre ritmos pulsantes, guitarras interligadas e urgentes, linhas de baixo memoráveis, "Sideways to New Italy" vai conquistando-nos a cada nova audição. Ainda assim, nota mais positiva para "The Second of The First", "Cars in Space", "Cameo" e "The Cool Change".



É o 5º álbum dos britânicos, mais um ao melhor estilo da banda. Neste, fala-se (mais) de natureza humana, de ansiedade, de paranoia, saúde mental, do apocalipse, mas, ao mesmo tempo, parece-me que estão mais relacionáveis, menos alienados no seu mundo. Soam mais empáticos e "acessíveis", sem que isso tire qualquer mérito às suas canções. Essas continuam sublimes, cheias de detalhes e de texturas, com linhas de bateria sofisticadas, guitarras em arpeggio, sintetizadores melodiosos e sobretudo o falsetto impressionante de Jonathan Higgs. "Big Climb" é catártica, em "It Was a Monstering" e "Moonlight", notam-se influências de Radiohead e "Arch Enemy" é ideal para a playlist do exercício matinal. 



Lá diz o povo que «em equipa que ganha não se mexe», e normalmente é essa a linha nos discos de David Santos. Mas desta vez, o inglês deu lugar ao português, «a parte rítmica está mais presente, há novas texturas e um cuidado ainda maior com cada som». E o resultado é um disco maravilhoso. Os títulos das canções, em conjunto, criam uma frase, ou nas palavras de Noiserv, um estado de espírito: «E Eram 27 Metros de Salto Mas Parou, Meio Picotado Neste Andar, Neutro, Sem Tempo, Por Arrasto, Sempre Rente Ao Chão». Uma abordagem impactante, que abre a porta a que cada um de nós dê ao disco o significado que quer ou que precisa. É mais abstrato e ambivalente. Cada música teve o seu espaço e tempo até que o disco completo fosse lançado, para que assim pudessem respirar e ganhassem vida com os vídeos da produtora Casota Collective e as ilustrações de Nuno Sarmento. Cada uma faz-nos refletir sobre o que nos rodeia e como isso nos afeta, com letras que marcam e tocam quem ouve, com melodias ricas e intimistas, de ambiente tranquilo e introspetivo. Assim é a música e o mundo de Noiserv. E ainda bem.


[continua...]

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