Concertinices sobre Discos: edição 2020 (IV)

 
Fonte: Pinterest

Continuo o trabalho iniciado na passada segunda-feira (que podem ler aqui), recuperando hoje os discos que me acompanharam nas últimas semanas de 2020.


É o quarto disco de Hannah, a voz que me tem encantado desde que a descobri. A produção ficou a cargo de Aaron Dessner, qual toque de midas, que se sente a léguas sempre que toca uma música. A voz elegante e expressiva de Hannah encaixa perfeitamente no trabalho de Aaron. E vice-versa. Há vulnerabilidade, medo, perda, esperança ao longo do disco, que se traduzem de forma sublime em canções delicadas e introspetivas, com orquestrações envolventes que contrastam com a interpretação sempre marcante de Hannah. É um daqueles discos que ponho constantemente a tocar, faça chuva ou faça sol, por me soar tão bem e tão familiar. Mas tenho um carinho especial por "That Emotion", "Dreams", "Pray It Away" (que ganhou uma nova dimensão com a colaboração de Matt Berninger, que podem ouvir aqui) e "Same Mistakes".



É o muito aguardado disco de uma super banda, e uma homenagem simpática às (grandes) canções com que os rapazes cresceram. O resultado final é bastante bom, algumas vezes até irresistível. Falo de "Reach Out (I'll Be There)" e "This Love Starved Heart Of Mine (It's Killing Me)" por exemplo, ambas interpretadas por Nic Cester, absolutamente irrepreensível. Aliás, a sua voz traz uma garra e uma atitude incríveis, ainda que Miles Kane não tenha ficado nada mal na fotografia. Tal como Matt Bellamy, que emprestou a sua voz a "We'll Meet Again" e a "Fever". No entanto, esta última foi a que menos me entusiasmou. Não só por não fazer justiça à versão de Peggy Lee, mas sobretudo por ser a mais previsível do disco.



É, sem grande dúvida, uma das vozes mais marcantes dos últimos tempos. Nesta aventura a solo, que pouco ou nada tem a ver com o seu projecto "El Vy", Matt Berninger apresenta-se num registo ainda mais intimista. Nem sempre consigo abstrair-me do som dos The National, mas encontro-o ainda mais genuíno, sem filtros, livre para se dar a conhecer melhor e para nos oferecer letras (ainda mais) incisivas. "Distant Axis", "One More Second" com a sua pianola estranhamente deliciosa, "Silver Springs" com a maravilhosa voz de Gail Ann Dorsey e "Serpentine Prison" são temas fortes num disco quente e que traz conforto a todos, mesmo a quem (não) adora The National.



Conheci-os com "E the Real You" e não os larguei mais. O EP de estreia da banda britânica contempla 5 temas antigos, que refletem uma era de constante mudança. Foram escritas num período em que a vida se mostrava incerta e, hoje, mostram que os Scors encontraram um caminho: indie rock com pózinhos vintage e com muita alma, cortesia da voz «velha» e «sentida» de Jake Passmore. Disse-o na altura que a melodia que acompanha "E the Real You" não se sobrepõe à voz, e posso afirmar o mesmo das restantes canções. Todos os elementos soam orgânicos e profundos, cada um brilhando sem encandear o outro, seja na enérgica "Under The Sea", na emotiva "You and I Get Along", na nostálgica "Forgetting How to Speak" ou na intensa "Perpetuated Waltz". Uma estreia que me deixa com grandes expectativas para o que se segue.



Não sou muito fã de discos de Natal, à excepção dos clássicos intemporais, mas este animou-me bastante durante a época festiva. É o mais recente disco de originais de Cullum, de regresso à toada jazz, com destaque maior para piano e voz. Junta-se uma big band com 57 músicos (!), entre os quais o pianista Ross Stanley e o saxofonista Tom Richards, e as canções ganham sofisticação, charme e classe, bem como um pouco de improviso e uma aura divertida. O lado mais pop chega ao som de "Turn On The Lights", o single de apresentação, mas "Hang Your Lights", por seu lado, remete-nos para a exuberância dos anos 20. Em ""Beautiful, Altogether", há influências de Nat King Cole. E quando ouvimos o disco com muita atenção, os detalhes trazem-nos memórias de Louis Armstrong e Duke Ellington, mas também de Frank Sinatra e Tony Bennett, as suas duas grandes referências. E talvez por isso, o disco me soe já intemporal, daqueles a que regressaremos vezes sem conta em Natais futuros.



Não estava previsto falar nele, mas chegou de rompante e continua a rodar cá em casa, ao contrário de "folklore", que continua a soar-me à Swift de sempre mas numa roupagem diferente. Em "evermore", sinto que a moça se reinventou mesmo. O caminho foi iniciado em "folklore", sim, mas aqui, ela soa mais livre, mais solta, e sobretudo mais vulnerável. É um disco genuíno nas letras e nos sentimentos, que nos transporta para o mundo dela e que se torna nosso também. Melodicamente, há novos sons e novas texturas que confortam o ouvinte, muito por culpa dos arranjos de Aaron Dessner, excepção feita a "long story short" e "gold rush" que mantêm a costela pop. Swift conta ainda com preciosas colaborações: Haim na cinematográfica "no body, no crime", The National na aconchegante "coney island" e Bon Iver em "evermore", esta última fechando o disco com chave de ouro, num tom nostálgico mas esperançoso.


2020 foi um ano duro a todos os níveis, mas, no que à música diz respeito, trouxe-nos alguns excelentes álbuns que tornaram tudo menos difícil. Vão seguramente continuar comigo por muito mais tempo, pelo menos até chegarem os discos de Arlo Parks, Smith & Burrows, Django Django, Maximo Park, Bathazar e The Fratellis, que aguardo com expectativa.

Com o ano novo à porta, abre-se uma janela de esperança. E, por isso, deixo-vos com os desejos para 2021: que nos leve de volta aos concertos e aos festivais que tanta falta nos fizeram este ano.

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