«Concertinices» sobre discos: edição 2024
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Depois de uma paragem imposta pela vida profissional, regresso este ano com mais uma edição das «concertinices» sobre discos - em versão resumida, é certo, mas sentida. Se os lançamentos de 2023 não me entusiasmaram por aí além - Wildes, Red Telephone, boygenius, Feist, Jungle, Thrillhouse e André Henriques foram as exceções - 2024 tem-se mostrado mais risonho.
10 discos acompanharam-me no caminho «casa-trabalho-casa», e em algumas viagens de carro por aí. Não foram os únicos, mas foram os mais frequentes, e, por isso, merecem destaque na retrospetiva do meu ano musical.
Quinto álbum da britânica, que mantém o registo honesto, cativante e desconcertante que lhe conheço. Abordam-se temas de luto e de perda, mas também de adição, de desintoxicação, de suicídio, fruto das suas experiências pessoais dos últimos tempos. A voz incrível e muito teatral de Nadine é, sem dúvida, o elemento maior dos seus trabalhos e aqui não é exceção. As suas interpretações mexem bem cá dentro, sentindo-se tudo à flor da pele. As guitarras, bem presentes no trabalho anterior, dão agora lugar a texturas mais eletrónicas mas, às suas canções, não faltam a garra e a intensidade do rock. "Filthy Underneath" é um disco sombrio, duro e verdadeiro, com o seu quê de visceral, mas é também extasiante. E "Even Light" com os seus arranjos exuberantes, e a orquestral "Keeping Score" são as que mais rodaram ao longo do ano.
Sem dúvida, um dos novos nomes que mais me marcou e um disco que rodou incessantemente desde que saiu em Fevereiro. Em todos os temas, sente-se uma simbiose genuína na forma como tudo se desenrola. Guitarras, baixo e bateria revelam-se sempre em perfeita comunhão, não só entre si mas também com as harmonias vocais. Por entre melodias oníricas, letras introspetivas e relacionáveis ganham vida através da voz de Sage, suave e muito expressiva. Ao disco, não lhe falta musicalidade, notando-se o cuidado no equilíbrio de todos os instrumentos, incluindo a voz. O ambiente é intimista, o som é cru, despojado e orgânico, e, ao longo dos seus 45 minutos, há momentos mais encorpados e outros mais suaves, há vulnerabilidade e há determinação, há ritmo e há emoção. É, provavelmente, o "meu" disco do ano, com "Shelter", "I Don't Remember", "Beautiful Everything", "One More" e "Something New" a surgirem como canções maiores num trabalho absolutamente maravilhoso.
O segundo disco da banda de Leeds traz um ambiente mais descontraído e dançável, sem deixar de lado a energia que lhes conhecemos. 11 composições revelam um trabalho eclético, com pedaços mais harmoniosos e outros mais gingões, arranjos mais melódicos e outros tantos mais desgarrados, interpretações cheias de atitude e de descontração (pontuadas pela suavidade das vozes de apoio) e letras cáusticas, como se esperaria. É um trabalho autêntico, divertido e pulsante, com uma energia contagiante, ao mesmo tempo, assertivo e vibrante - e que, ao vivo, ganha uma pujança extraordinária que deixa qualquer um rendido.
É o disco de estreia dos britânicos, que recebeu elogios de inúmeras publicações. E, para mim, são inteiramente justificadas. Ainda que mais "polidas" que as suas primeiras composições, as 13 canções de "This Could Be Texas" apresentam diferentes facetas da banda, ora soando mais pujante ora mais contida, entre tensão e emoção, com pedaços instrumentais texturados, harmoniosos e dissonantes. As paisagens sonoras têm tanto de familiar como de arrojado, com a voz de Lily a sobressair e a marcar os ambientes. Estes trazem consigo notas melancólicas mas também sonhadoras, linhas melódicas (des)estruturadas que despertam os sentidos e, à semelhança de outros tantos projetos conterrâneos, não lhes faltam doses certeiras de atitude e de descontração.
É o álbum de estreia dos suíços, que mencionei quando destaquei o single "pas de fleurs", e nunca mais o larguei. É nostálgico e eufórico, é impaciente e despreocupado, é apelativo e é pulsante; é alegre e soalheiro, enérgico e inquieto, mas também tem o seu quê de introspetivo. Oferece-nos guitarras efervescentes, batidas enérgicas e baixos cheios de ginga, mas encontramos tonalidades melancólicas que trazem um certo equilíbrio às composições. "pas de fleurs" continua a ser a canção mais ouvida deste trabalho, mas todas as outras têm o seu charme e merecem uma escuta ativa - sobretudo se precisarmos de descomprimir.
É o segundo disco a solo de Jinte Deprez dos Balthazar, um trabalho que evoca o fim de um relacionamento. Está longe de ser uma coisa lamechas; ainda que tenha canções mais perto das baladas, não faltam momentos animados e enérgicos. Em vários temas, se não em todos, sente-se uma aura old school, cortesia de orquestrações cheias e reluzentes. O som é muito texturado e muito rico, com instrumentais cinematográficos e arranjos de cordas exuberantes. O tom, esse, é agridoce, evocando-se sentimentos como choque, tristeza, raiva, negação e dor, mas há, também, uma certa sensação de escape. A voz de Jinte revela-se muito cativante como sempre, num registo descontraído e emotivo, e que é muito sofisticado, elevando (ainda mais) as suas composições. Sem dúvida, um disco incontornável este ano.
Ao quarto disco, parece que os Fontaines D.C. estão mais «fofinhos». Mas não, estão mais crescidos. Podemos não sentir o desassossego e a irreverência de outros tempos - excepção feita a "Starburster" que tem aquela energia de sempre, e é, talvez por isso, a favorita de muita gente - mas a intenção está bem vincada. O disco é mais acessível, não nego, mas, quanto mais o ouço, mais sinto a essência da banda britânica por entre as suas notas. A paleta sonora foi ampliada, as composições são mais melódicas, mas mantêm a intensidade e a força que já lhes conhecemos. Estão menos explosivos, mas a emoção e o temperamento continuam lá, nos crescendos instrumentais e nas interpretações irrepreensíveis de Grian Chatten. E se dúvidas houvesse que "Romance" não é um disco Fontaines D.C., basta apanhá-los em concerto, a coisa funciona mesmo bem ao vivo.
É sabido que é uma das minhas vozes favoritas da nova música francesa, e, ao terceiro disco, chega mais despojada. É, no geral, um disco calmo, com apontamentos animados, cortesia de arranjos vibrantes e cintilantes. Mais uma vez, é a voz de Luciani que encanta e que marca o disco. É poderosa e calorosa, é combativa e é terna, sempre muito expressiva e muito melodiosa, e impulsiona as composições, adequando-se sem esforço a tudo o que lhe surge. Ainda que lhe falte alguma intensidade, "Mon Sang" conforta o ouvinte nos seus momentos mais suaves; e, nos seus momentos mais enérgicos, é perfeito para animar o dia.
A outra voz dos Balthazar, Maarten Devoldere, também nos presenteou com disco novo este ano. Fala-se de masculinidade, de vulnerabilidade e da natureza complexa das relações humanas em 10 canções que, mais uma vez, mostram a versatilidade do seu projeto a solo. Com um toque jazzístico e uma exuberância instrumental, "Karaoke Moon" faz-se de melodias orelhudas q.b., de coros sofisticados e de arranjos de cordas reluzentes, ritmos apetecíveis e, claro, de interpretações fascinantes. Há pedaços introspetivos, outros dançáveis, há sombra e há luz, há suavidade e energia, e há uma dimensão muito sedutora em tudo. E, sobretudo, há um equilíbrio perfeito entre elegância e descontração que cativa qualquer bom ouvinte.
O primeiro EP de Maria Roque é uma entrada de última hora e é perfeito para descomprimir da azáfama pré- e pós-festividades. Para além da mágica "Naveguei (onde os outros vão)" - a que recorro sempre que preciso de um refúgio - contam-se mais 4 canções onde se evocam dores, desgostos e incertezas com ternura e delicadeza. É melancólico, mas é também esperançoso. A voz de Maria é um bálsamo para a inquietude, cheia de calor e de conforto, iluminando o caminho das canções, por entre arranjos delicados e intimistas. O ambiente do EP é etéreo e é próximo, e as suas composições criam o lugar ideal para nos abrigarmos, para respirarmos fundo e para ganharmos serenidade para o novo ano.
Mais uma vez, ficaram de fora muitos nomes conceituados, incluindo nacionais, ainda que Mazgani (com a sua "Cidade de Cinema") e Ana Lua Caiano (com "Vou Ficar Neste Quadrado") tenham tido um lugar especial no alinhamento deste ano.
2025 já se prevê um ano simpático, pelo menos para mim. Aguardam-se os discos novos de Franz Ferdinand, Flora Hibberd, Linda Martini, Benjamin Booker, Victor Solf e Red Telephone já em Janeiro, Arliston, Sharon Van Etten, Sam Fender e Luke Sital-Singh em Fevereiro e Tamino em Março.
Cá estarei para vos dizer se cumpriram as expectativas.
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