Concertinices sobre Discos: Edição 2021 (IV)
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Chegados num ápice ao final de 2021, é tempo de recuperar os discos que me acompanharam nos últimos meses. Foram muitos, na sua maioria bons para os meus ouvidos, e, por isso, este «desabafo» desdobra-se em dois capítulos. Ressalvo ainda que, mais uma vez, alguns discos ficaram pelo caminho, incluindo "Grapefruit Season" de James Vincent McMorrow, que não me convenceu com a direção musical mais pop.
Demorei a descobri-lo e a compreendê-lo, porque é-me sempre difícil escutar Fado. Já o disse e escrevi, é dos géneros que mais mexe comigo cá dentro, por me soar sempre tão visceral. Este terceiro disco da fadista é provavelmente a prova mais genuína disso mesmo. Gisela encanta com a sua voz cheia de alma e de sentimento, entre a dor e o amor. Os arranjos e as composições no seu todo arrepiam a espinha sempre que o disco toca; é mais íntimo, mais despojado, há nele uma carga emocional tão forte que faz de "Aurora" um registo tão poderoso quanto desarmante. Não consigo eleger uma favorita, mas assumo que "Louca", sobretudo na versão gravada para a plataforma COLORS, tem um lugar especial no meu coração.
Confesso que nenhum dos seus outros trabalhos me encheu tanto as medidas como este. O caminho fez-se do jazz para a pop, e, hoje, essa escolha parece mais segura. Luminoso, tão açucarado quanto aguçado, e como não poderia deixar de ser, orelhudo q.b., o disco está repleto de canções animadas, com arranjos vibrantes e coloridos. Tem uma toada dreamy mas, ao mesmo tempo, soa muito real e relacionável. As canções têm elegância, letras honestas com um toque de ironia, e refrães que colam e não descolam. Como, por exemplo, em "O Príncipe e o Sapo" e "Mau Feitio", canções de destaque, a par de "Queda Prá Desgraça" e "Ninguém nos Vai Tirar o Sol". Contas feitas, é um disco mesmo bom para cantarolar e dançar, trazendo esperança a quem ouve, mesmo em tempos adversos, que é exatamente o que precisamos.
Poucos meses depois do lançamento de "Sand", eis a gravação dos temas presentes no documentário com o mesmo nome, que retrata o primeiro encontro da banda pós-confinamento. Reuniram-se por uns dias num castelo nos arredores de Bruxelas para tocar as canções novas e o resultado é um disco com uma atmosfera mágica (e que tem rodado em repeat cá por casa). Os moços reinventaram-se e surpreendem mais uma vez. É um trabalho do mais humano possível, em que se sente, em cada faixa, o lado delicado dos Balthazar. Ouve-se um som mais cru, despojado de ruído, e interpretações mais descontraídas. A autenticidade transborda nas jam sessions e é delicioso ouvi-los. Por entre a desconstrução de temas como "On a Roll", "Powerless", "Moment", "Halfway" e "I Want You", o disco revela intimidade, melancolia e, claro, luminosidade, Um extra imperdível e uma adição perfeita a uma discografia já de si incrível.
É o quinto álbum do britânico, e, perdoem-me os mais céticos, mas é mais uma obra-prima. Pelo menos para mim que sou fã assumida. Nada parece ter sido deixado ao acaso, tudo soa trabalhado ao ínfimo pormenor. O equilíbrio de tons sombrios com notas esperançosas torna tudo mais apetecível, tal como a existência de momentos mais familiares e outros mais surpreendentes. A performance de James Blake é, como sempre, avassaladora, a sua amplitude vocal é de fazer inveja a qualquer um e o falsetto é qualquer coisa de incrível. Sentimos-lhe o amor e a dor, a luz e a escuridão, a insegurança e a força. Blake evoca isto como ninguém e não há como não ficarmos comovidos. "Friends That Break Your Heart" é um disco requintado, tão dilacerante quanto pulsante, como quase tudo na vida, com as emoções à flor da pele. Nota máxima para "Famous Last Words", "Life Is Not The Same", "Say What You Will" e o tema título, enternecedor do início ao fim.
Ao segundo disco, o britânico dá mais um passo no caminho certo do «rock das pessoas reais». Tendo como base as suas experiências aos 17, Fender evoca as dificuldades da classe trabalhadora, as inseguranças e os desafios, tal como Springsteen fez nos anos 80. Aliás, The Boss parece estar presente ao longo do disco, uma referência bem trabalhada e integrada no som de Fender, sem soar forçado ou pastiche. Confere-lhe sobretudo uma dimensão épica - basta ouvir o tema título ou "Get You Down" com linhas de sax maravilhosas, ou qualquer uma das outras mais vibrantes. Nas mais despojadas, como na emocional e intensa "The Dying Light", é a voz quente de Sam Fender que nos prende. Não lhe falta honestidade e paixão, sendo, sem sombra de dúvida, o elemento maior destas composições. "Seventeen Going Under" é um disco poderoso e genuíno, recheado de canções que nasceram para serem tocadas ao vivo, e que confirmam o talento do cantautor britânico.
O novo disco do trio canadiano traz de volta o jazz de fusão arrojado com que conquistaram meio mundo. Estão a soar melhor do que nunca, mais confiantes, mais maduros, mais refinados. Mantendo um equilíbrio perfeito entre o clássico e o moderno, o suave e o vibrante, "Talk Memory" é um disco complexo e multidimensional, dançável e chilled q.b., que surpreende e delicia os ouvidos mais atentos. É dinâmico e fluído, com muitas notas de improviso e uma execução exímia. Em jeito de tributo ao espírito colaborativo, Arthur Verocai, Terrace Martin, Laraaji e Brandee Younger abrilhantam este disco com a sua mestria, e a química entre banda e convidados é inegável. De todas, "Signal From The Noise", "Beside April", "Love Proceeding" e "Talk Meaning" continuam a rodar incessantemente.
Ao segundo disco a solo, nota-se mais confiança no caminho traçado, como se se sentisse mais à vontade nesta pele mais pop. "Tinha de Ser Assim" é um disco contagiante, com refrães orelhudos e uma produção límpida, que tem, à semelhança do anterior, muito de anos 80 mas também mais pozinhos de dream pop. As letras são reais e pessoais, relacionáveis também - não se esperaria aliás outra coisa - demonstrando mais uma vez o talento de Pedro de Tróia. Há mais nostalgia nas canções, mais serenidade também, sem que lhes falte ritmo, mas esse é mais pausado. Como se assim, as canções nos envolvessem lentamente, permitindo-nos apreciar cada momento. Nota máxima para o duo com Rui Reininho em "Carrossel", provavelmente uma canções pop mais cool escritas por cá nos últimos anos, "Namorada" e "Gosto Tanto de Ti".
Outro destaque nacional é o segundo disco do alter ego de JP Simões, novamente produzido por Miguel Nicolau, que é também o autor das guitarras e dos arranjos. Sempre gostei bastante da sua voz, distinta mas expressiva, mas neste registo a solo, o timbre ganha toda uma outra musicalidade. As interpretações, e, seguramente o disco também, parecem-me mais descontraídos, por vezes luminosos, e tal assenta-lhe bem. Sente-se a liberdade, a ausência de preocupação, sem que isso tire qualquer prazer auditivo às canções. Essas, são encorpadas, alternando entre ambientes ora mais contidos, ora mais expansivos, com texturas densas e harmonias cativantes. A sombra e a luz parecem conviver sem esforço, num disco elétrico e possante, catártico até, que tanto nos impele a mexer o esqueleto como nos puxa para momentos mais introspetivos. Confesso que as canções mais ritmadas entraram logo no ouvido, mas é a "Pull Yourself Together" que regresso uma e outra vez. Marcou-me assim que começou a tocar, muito por culpa do saxofone, absolutamente delicioso, mas não abdico do pezinho de dança ao som de "There's Something About Tomorrow".
[continua...]
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