Concertinices sobre Discos: edição 2021 (III)

 
Fonte: Pinterest

Com o regresso ao trabalho ainda a «meio gás», e antes que  aproveito para vos trazer o terceiro capítulo das «concertinices» sobre os discos, desta vez, com os que me acompanharam durante as férias.


«Quem dança, seus males espanta». Poderia ser esta a premissa para o novo disco da cantautora francesa. "Coeur" é um disco de canções pop dançáveis, com pozinhos de disco e funk (ainda que contenha algumas mais melancólicas), é soalheiro mas as letras abordam temas sérios: da violência doméstica, às relações tóxicas, o amor, o desamor. Clara equilibra, nas suas interpretações, vulnerabilidade e força, como ela tão bem sabe fazer. "Respire Encore" tem, para mim, a força incrível de "La Grenade". "Le Reste", "Amour Toujours" e "Coeur" levam também nota máxima, num disco que tem em si a liberdade em todas as suas dimensões, perfeito para celebrar o desconfinamento.



12 anos depois de "Declaration of Dependence", o duo norueguês regressa com um disco que contém vozes harmoniosas, melodias suaves, paisagens reconfortantes e agradáveis ao ouvido. Pouco ou nada se reinventa, é certo, mas, como diz o povo, «em equipa que ganha não se mexe». E a verdade é que resulta e faz sentido, sobretudo porque, no momento em que saiu, este disco era exatamente o que precisávamos para nos sentirmos um pouco mais serenos e felizes. Os KOC soam ainda mais despojados, criando e interpretando canções simples, puras e charmosas, algo que lhes é intrínseco e natural. "Rocky Trail" continua a rodar por aqui, mas o melhor de tudo são "Love Is A Lonely Thing" e "Catholic Country", com Feist, que encarna na perfeição todo o espírito orgânico, informal e genuíno dos Kings of Convenience.



Depois de uma aventura em nome próprio, Nick Murphy regressa aos discos com o seu alter ego Chet Faker, num registo (ainda) mais relaxado, mas não menos cuidado ou orgânico. As canções apresentam-se, na sua maioria, com batidas mid e down tempo, o que as torna ideais para serões descontraídos. De tudo, é a sua voz cheia de intenção e de alma de Murphy que se distingue e se eleva. Destaque para "Low", "Get High", "Feel Good" e "So Long, So Lonely", que continuam a puxar-me para um pezinho de dança de forma despreocupada.



O segundo disco a solo do cantautor brasileiro traz-nos canções midtempo abrilhantadas por arranjos sublimes de percussão e de metais, que fazem toda a diferença. Há um cuidado na produção, para que sintamos a energia das canções, escutemos as letras, que contam histórias e que mexem connosco, e a sonoridade quase teatral que nos chega aos ouvidos. De todas as canções do disco, que tem tanto de calmo como de pulsante, as cantadas em inglês não me convenceram (exceção feita à bilíngue "Tão", vocalmente bem conseguida e com um solo de saxofone incrível). As restantes são para ser escutadas com tempo, de coração aberto, correndo o risco de emocionarem quem ouve. "Maré" tem a energia boa de Los Hermanos, as melodias de "Tara" e "Tanto" são tão envolventes que, mesmo num registo mais despojado, fariam sentido; e "Eu com Você" e "Um Milhão" trazem para o centro o talento de Amarante na escrita de letras desarmantes.



Já falei neles por aqui, e eis finalmente o novo trabalho, que sucede ao disco de estreia "Chasing Lights". Misturando, baralhando e equilibrando Americana, Blues, Folk e Rock, com muitos pozinhos de Soul, o disco resulta uma espécie de montanha russa sonora, com temas para todos os gostos. Os meus ouvidos vibraram menos com as canções mais lentas, mas é nelas que se sente a sintonia e a química dos Ida Mae. A eletrizante "Click Click Domino", a intensa e sedutora "Little Liars", a emotiva "Learn To Love You Better", e a terna "Sing A Hallelujah" são excelentes exemplos da versatilidade e do talento do duo britânico, num disco coeso e entusiasmante do início ao fim.



O terceiro disco da neozelandesa tem qualquer coisa do musical "Hair", uma aura de comunidade, de "flower power". Soa muito menos efusivo e mais despojado e espiritual que os trabalhos anteriores. A própria colocação da voz tem mais de meditativo do que de intenso e confesso que não me entusiasmou. Não há canções orelhudas e arranjos vibrantes, e, talvez por isso, aos meus ouvidos, pouco ou nada se destacou. É, na sua essência, um disco calmo, luminoso até, mas, sempre que toca, sinto que lhe falta garra, energia. Ainda assim, nota positiva para "Solar Power" e "Mood Ring" que contrariam o mood geral.



É o disco ideal para animar qualquer festa, ou mesmo qualquer dia. Ao terceiro disco, os britânicos estão mais expansivos, mais coloridos, mais divertidos. Às suas canções, não faltam groove, ritmo e energia positiva e são, por isso, perfeitas para dançar e descontrair. Os beats apetecíveis encontram lugar certo nas melodias orelhudas com notas de R&B, Disco, Soul. Tudo soa bem, no sítio certo, no momento certo, cuidadosamente colocado para nos fazer mexer o esqueleto. E a cereja no topo do bolo é a aura vintage que o disco tem, absolutamente deliciosa, transportando-nos de imediato para os anos 70. Por isso, se precisarem de fazer a festa, este disco é obrigatório.



Inspirado nos poemas que Brandon Flowers escreveu sobre a sua terra natal, eis o sétimo disco, com influências notórias de Bruce Springsteen. A pop orelhuda e o brilho ofuscante deram lugar a arranjos mais sóbrios, com notas de rock, folk e americana. É um disco mais minimalista, mas não menos cativante. A espaços, recupera o ambiente de "Sam's Town". Entre melodias e ritmos mais contido, e paisagens delicadas e nostálgicas, revelam-se histórias genuínas e relacionáveis. Terá o seu quê de conceptual, mas é poético e genuíno. Os samples que introduzem as canções conferem ao disco uma dimensão mais humana, mais real. A interpretação de Flowers soa pessoal, emotiva, honesta. As canções têm alma, tanto sombria quanto esperançosa, mas o que fica no fim é a sua dimensão reconciliadora. "West Hills", "Terrible Thing", "Pressure Machine", "Quiet Town" e "In The Car Outside" são, para mim, temas maiores num disco deveras surpreendente.



Fleet Foxes, Lisa Hannigan, Sharon Van Etten, Ben Howard, Taylor Swift e Anaïs Mitchell são alguns dos nomes que colaboram neste disco, provando que o projeto de Justin Vernon e Aaron Dessner é, cada vez mais, um coletivo composto por amigos e conhecidos que se juntam para fazer música. "Criatividade" e "liberdade" são as palavras que me vêm logo à cabeça. O disco é musicalmente rico e complexo, multidimensional, com tanto de introspectivo como de onírico. É notória a descontração e o conforto, a química, o equilíbrio e a honestidade. As vozes «convidadas» aportam ainda mais requinte, o poderio vocal de Justin continua impressionante, e até Aaron Dessner arriscou, dando voz a algumas canções e superando as expectativas. Há momentos realmente mágicos, como "Latter Days", "Phoenix", "Renegade" e "Hutch", mas, assumindo a parcialidade, tudo soa maravilhoso.



Descobrimo-la no festival da Eurovisão deste ano com o bonito tema "Voilá", reminiscente da Chanson Française. Na altura, deixámo-nos levar pela sua voz quente e profunda, pela sua emotividade, pela aura tão luminosa quanto sombria, e pela sua presença marcante. O disco de estreia tem tudo isso e mais um pouco, canções tão viscerais quanto desarmantes, que, à semelhança da sua conterrânea Clara Luciani, colocam as mulheres, e a liberdade, no centro de tudo. Por entre arranjos cinematográficos de piano e cordas, e ambientes ora delicados ora dinâmicos, deliciamo-nos com a performance de Barbara Pravi. Oscilando entre o vulnerável e o forte, soa sempre sincera e emocional, encarnando com convicção as personagens que interpreta, revelando, quem sabe, vários lados de si própria. Há amor em "Le Jour Se Lève", liberdade em "Saute", afirmação pessoal em "La Femme" e "Les Maladroits", violência em "Le Malamour", fala-se de aborto em "Chair" e da doença de Alzheimer em "La Ritournelle", absolutamente dilacerante, e uma das canções mais marcantes de um disco que prova que Barbara Pravi é um nome para manter debaixo d'ouvido.

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