«Concertinices» sobre discos, (ainda) a edição de 2022 (II)
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Vem muito atrasado este capítulo, eu sei, mas a vida deu algumas voltas nos últimos meses e o tempo ficou (ainda) mais escasso. Em jeito de balanço de 2022, saem dois capítulos este mês - prometo ;)
Para não variar, faltam nomes, muitos, e alguns sonantes como, por exemplo, os Bloc Party e os Kasabian cujos últimos álbuns, apesar de enérgicos, não me encheram as medidas; ou Angel Olsen, que continua sem me convencer. Como é sabido, por aqui só se escreve sobre o que cola, por isso, vamos lá a isto.
É, provavelmente, dos discos mais marcantes de 2022, muito por "culpa" de "In ár gCroíthe go deo", "Jackie Down The Line", "Skinty Fia" ou "I Love You", canções pulsantes e intensas que nos arrancam do marasmo. Confesso que foi das coisas que mais ouvi nos últimos tempos, e tenho muito poucas palavras para descrever este novo trabalho dos irlandeses. Para mim, é vivo, apaixonado, carregado (no som e no tom), corrosivo também. O concerto no NOS Alive foi a cereja no topo do bolo, excedendo qualquer expectativa que pudesse ter. Foi eletrizante, descontraído e cheio de atitude como se quer, ainda mais intenso que o disco. Este último é marcado por guitarras inseguras e linhas de baixo incríveis, mas é a interpretação expressiva e sempre pungente de Grian Chatten que faz a diferença. Nota máxima para "Jackie Down The Line" e "I Love You" que é, sem dúvida, o meu tipo de canção de amor.
Outro dos lançamentos de 2022 que merece ser escutado é o segundo disco a solo de Tiago Esteves, que conta com a preciosa colaboração de David Pires (bateria), David Santos (contrabaixo), João Gil (piano e coros), JP Mendes (coros) e Raquel Merrelho (violoncelo). A sua folk intimista e sentida reveste-se de arranjos exuberantes e harmonias envolventes, que nos transportam para o seu mundo (não tão) imaginário. Mais uma vez, o trabalho de composição é exímio, emotivo e honesto, com letras que têm em si o seu quê de poesia e, claro, a voz envolvente de Esteves que é, para mim, desde há muito tempo, um bálsamo para os ouvidos e para a alma. "O Alpinista" e "Floresta" são canções maiores num disco muito bonito.
Polémicas e considerações à parte, os Arcade Fire são umas das minhas bandas de eleição. São ritmo, são emoção, são vida. São, acima de tudo, celebração, e encontro nas suas canções a energia anímica que, por vezes, tanto me falta. Vê-los ao vivo é revigorante – como o foi o concerto no Campo Pequeno – e ouvi-los deixa-me sempre bem-disposta. Este "WE", longe de ser dos seus melhores trabalhos, traz de volta a força e a atitude inspiradoras que, para mim, os caracteriza, reunindo canções que têm tanto de vitalidade quanto de maturidade. As letras têm algo de sombrio, sim, mas se há algo que os Arcade Fire fazem bem é animar-nos, pelo que as suas canções surgem envoltas em melodias carregadas de brilho e ritmo. "WE" não é excepção, e é um disco para ouvir com o volume no máximo, sem esquecer de dar uso à pista de dança lá de casa.
"My guitar is his violence and my voice is his hope". É assim que Calvi descreve o seu trabalho para a banda sonora da série Peaky Blinders. Parece-me perfeito, porque é isso mesmo que se ouve e se sente ao longo das quatro canções que compõem o EP. É visceral, sombrio, atormentado e tenso. Conseguimos sentir tudo à flor da pele, graças aos arranjos atmosféricos, característicos de Anna Calvi, que nos transportam para o universo da série. "Ain’t No Grave" e "Burning Down" são duas canções incríveis, mas as versões de "Red Right Hand" (Nick Cave & The Bad Seeds) e "All The Tired Horses" (Bob Dylan) não ficam atrás, com a voz de Calvi e a sua guitarra irrequieta a conferir-lhes uma nova dimensão e outra energia.
"Âmbar" é o primeiro disco da banda inteiramente cantado em português, e não fica a dever nada aos anteriores. Não faltam as melodias ricas e complexas, mais ou menos experimentais, nem as harmonias vocais luminosas e envolventes a que o sexteto já nos habituou. Cantar em português traz um peso acrescido (e um significado também), mas tudo sai com uma naturalidade incrível. É, sem dúvida, um trabalho autêntico, com uma produção irrepreensível e eclético nas texturas e nos ambientes. "Amparo", "Magnólia", "Celeste" e "Aurora" são canções que ilustram bem este novo mundo dos You Can't Win Charlie Brown, que vale bem a pena manter debaixo d'ouvido.
Outro dos (meus) discos de 2022 é o de Sharon Van Etten. Ao contrário da voz de Angel Olsen, a de Sharon encaixa perfeitamente nos meus ouvidos. Aqui, apresenta-se com um alcance tremendo, cheia de força e de intenção, o elemento maior de um disco emocionalmente poderoso. Musicalmente bem conseguido, ora mais contido ora mais expansivo num percurso muito equilibrado, é liricamente honesto e, claro, vocalmente irrepreensível. Como reflexo da pandemia, tem sombra, tem introspeção e profundidade; mas tem também, e sobretudo, luz, é catártico e emotivo. É um trabalho para os sentidos e para as emoções, para escutar no recanto do lar ou no passeio à beira-mar, deixando-se levar por canções bonitas como "Home to Me", "Born", "Headspace" ou "Come Back", por exemplo.
Outro nome incontornável na lista é o de Florence Welsh, cujas canções têm o dom de me ajudar a carregar energias e de me animar e têm qualquer coisa de empoderador. Em "Dance Fever", o universo mágico, florido e humano de Florence oferece-nos canções enérgicas, luminosas, que puxam pelo pezinho de dança, pelos saltos e movimentos descoordenados, pela sensação de liberdade. A sua voz é absolutamente arrebatadora em todos os momentos, com um alcance invejável, mais aguerrida ou mais vulnerável, sempre cheia de alma e de cor. "Dance Fever" é, à semelhança dos anteriores, um disco que me ajuda a afugentar as maleitas, que é tanto um exorcismo como uma afirmação. Nota máxima para "King", pois claro, poderosa e destemida, "Cassandra", "Heaven Is Here", "Daffodil" e "My Love" que me impelem sempre a cantar a plenos pulmões.
Dois anos depois de "Slow Reveal: Chapter One", que continua a rodar cá por casa, Dekker lançou um novo disco que inclui alguns temas que já destaquei por aqui como "Small Wins", "Back and Forth" e "Do It All Again". O registo mantém-se eclético, orelhudo e convidativo, com texturas ricas e ondulantes, ritmos cheios de ginga e a voz suave e expressiva de Dekker. Ao contrário de muitos discos marcados pela pandemia, este é animado e colorido, mas é também caloroso e descontraído. Sinto que as canções de Dekker são perfeitas para musicar qualquer momento, tal é a energia (boa) que emana, mas confesso que os meus ouvidos vibram - e muito - ao som de "Small Wins", "I Only Hope To Feel Love", "Maybe October", "Supposed to Be a Friend" e "Do It All Again".
Outros que soam bem em qualquer altura do dia são os britânicos FOALS. E, ao sétimo disco, estão muito bem e recomendam-se. Soalheiras, enérgicas como sempre, certeiras no groove e orelhudas, as canções de "Life Is Yours" pedem para ser ouvidas com o volume bem alto, mãos no ar e gargantas afinadas, como se estivéssemos num concerto (e o que aconteceu no SBSR foi exatamente isso). Vá, não são extraordinárias nem muito ecléticas, mas o inconformismo continua bem presente e o vigor também. Nota máxima para "Life Is Yours", "Wake Me Up", "2am", "2001" e "The Sound", que conseguem animar o dia mais cinzento.
8 anos depois de "Caustic Love", eis finalmente novo disco do escocês Paolo Nutini, cuja voz magnética é, sem dúvida, o seu melhor cartão de visita. As suas interpretações rasgam e ecoam (n)os diferentes ambientes, que vagueiam entre o rock e a soul, por entre arranjos coesos e vibrantes, onde todos os elementos se destacam sem nunca parecerem ocupar o espaço de outro. É um disco que soa pessoal, sincero, equilibrando contenção e explosão e despertando os sentidos de quem ouve. Um disco onde Nutini se permite ser tudo o que lhe faz sentido, apresentando-nos diferentes facetas e explorações mas todas elas genuínas. "Through The Echoes", "Everywhere", "Abigail", "Shine A Light" e "Writer" são uma excelente amostra do que se pode ouvir ao longo das 16 canções que compõem o disco.
[continua...]
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