"Concertinices» sobre Discos, (ainda) a edição de 2022 (III)

 
Fonte: Pinterest

Fecho hoje, finalmente, a edição de 2022 das «concertinices», com este terceiro capítulo que se foca nos discos do segundo semestre. Ficaram de fora o último dos Muse (por muito que os ache explosivos ao vivo e a cores, o novo disco não entrou), "The Other Side of Make-Believe" dos Interpol, consistente com o que têm feito ultimamente, mas ainda assim, «mais do mesmo» e "Keep On Smiling", o novo dos Two Door Cinema Club que, para mim, não trouxe nada de novo.


O sétimo disco dos britânicos é o primeiro com Benjamin John Power, o nome por detrás do projeto Blanck Mass que tem remisturado e produzido alguns dos temas anteriores. Não se estranha por isso a veia mais eletrónica do disco, mais exploratória também. Confesso que, muitas vezes, sinto saudades de um som mais roqueiro, das guitarras aguerridas e das baterias pesadas, mas, ao mesmo tempo, há qualquer coisa de vibrante neste novo som. As letras mantêm um lado sombrio e a voz de Smith continua a soar incrível e a dar corpo e forma a estas composições. É um disco animado, pulsante, descontraído, e parece-me que resultará muito bem ao vivo. Em disco, algumas canções soam intermináveis (podiam de facto ser mais curtas) mas "Heart Attack", "Karma Climb" e "Silence" levam nota máxima.



Há discos que transbordam de emoção e de sensações em cada nota. Este segundo de Tamino é um desses casos. Um trabalho sobre o qual custa escrever por ser tão avassalador, tão noturno e turbulento, com a voz de Tamino a aquecer-nos a alma. Pegando na sonoridade do primeiro álbum e explorando-a ainda mais, o cantautor apresenta um disco maravilhoso, melancólico, emotivo, com melodias introspetivas, arranjos deliciosos e interpretações desarmantes. É profundo, é vulnerável, honesto e maduro, contemplativo e vivo. Há perda e há dor, mas há sempre amor e isso transparece em todos os momentos do disco. O amor pleno, ao outro e à arte. Sem sombra de dúvida, um dos grandes discos de 2022, onde se destacam "The Longing", "Fascination", "The First Disciple", "My Dearest Friend and Enemy".



Outro nome que encaixa bem nos meus ouvidos é o de Maarten Devoldere. Como parte integrante de Balthazar ou a solo como Warhaus, é (quase sempre) certinho que as suas canções vão rodar cá por casa. Confesso que este novo disco não me deslumbrou como os dois primeiros trabalhos mas a turbulência não pode durar para sempre. Em "Ha Ha Heartbreak", vislumbra-se uma forma de aceitação, de afastar a tristeza do coração partido em pedaços. Pedaços esses que se vão colando canção a canção, letra a letra, melodia a melodia. A voz de Maarten é a cereja no topo do bolo, um jeito crooner cativante e interpretações sentidas e reais, por entre uma sonoridade descontraída recheada de arranjos gloriosos de cordas e metais, piano, guitarras e bateria em perfeita comunhão. O que era para ser um álbum intimista tornou-se num disco melodicamente rico e texturado, de ambiente gingão ("Open Window"), sedutor ("When I Am With You") e romântico ("I'll Miss You Baby" e "Best I Ever Had"), que ilumina os dias mais cinzentos.



Wolf Manhattan é o nome do novo projecto/persona de João Vieira, dos X-Wife e White Haus. Do disco, fazem parte 13 canções curtas, diretas, com uma sonoridade que anda ali entre o punk, a folk, o garage, mais longe da eletrónica e bem perto do analógico. "Voices In My Head" foi o primeiro single, mas confesso que não me encheu as medidas, muito por causa da colocação da voz, mais áspera do que gostaria. Poderia ter ficado por aí, mas, por vezes, os discos chamam por nós em determinado momento. E isso pode fazer toda a diferença. Neste caso, os dias mais cinzentos e mais frios acolheram as canções de Wolf Manhattan, que, cortesia de uma sonoridade lo-fi, crua e despojada, com o seu quê de vintage também, transmitem uma sensação de conforto - por mais desassossegado que seja o personagem. Destaque para "Little Girl", "Five Years", "Sometimes", "Those Days Are Gone" e "Goodbye", que exemplificam bem a criatividade e a atitude de Wolf Manhattan. 



É sabido que tenho mixed feelings em relação a este novo caminho dos AM. Tenho recebido os últimos singles com alguma desconfiança e este novo trabalho não foi excepção. Não fosse este um disco dos Arctic Monkeys e provavelmente nem falaria dele. Não é que seja mau - está bem escrito, bem produzido, muito bem orquestrado - mas, quando o ouço, fico com a sensação que é mais «ambiente», cinematográfico e com o seu quê de solitário. As teclas estão no centro de tudo e isso é logo meio caminho andado para dar outra dimensão às canções. A par da voz sempre enigmática e marcante de Alex Turner (ainda que o falsete nem sempre me convença), são os arranjos com um toque a orquestra que, para mim, dão vida a "The Car". E as letras, claro, provando, se dúvidas houvessem, que Turner sabe bem o que faz. Nota máxima para "There'd Better Be A Mirrorball", "I Ain't Quite Where I Think I Am", "Big Ideas" e "Perfect Sense".



Depois da estreia com "The Grand Tour", Tanya Batt oferece-nos um disco pessoal e honesto onde se aborda a dor, o trauma, a saúde mental, o viver com uma doença crónica. Mas está longe de ser um disco duro e pesado, muito por causa da voz maravilhosa de Tanya que traz consigo emoção, sinceridade e suavidade. Gosto muito do seu timbre e da sua forma de cantar, versátil o suficiente para dar corpo aos diferentes sentimentos sem nunca se exceder ou ficar aquém e encaixando sem esforço nas melodias envolventes e harmoniosas. "Blue" conta com Sharon Van Etten e é uma composição maravilhosa, "Call It Like It Is" continua a ser uma das minhas favoritas e reveladora do talento da cantautora australiana, "Linger" (com Deep Sea Diver) é outra das canções marcantes do disco, mas ganhei muito afeto por "All That I Need", "Warm Wine" e "Keeping On" que fecha o disco de forma sublime.



A fechar esta edição das «concertinices», provavelmente o disco que mais vezes tocou em repeat assim que lhe pus os ouvidos em cima. Produzido por Aaron Dessner, o segundo disco da cantautora australiana tem quietude e tem intensidade, tem emoção e tem garra, tem distância e tem proximidade. As composições apresentam-se mais abundantes do que as do disco anterior; é, parece-me, mais reluzente e mais generoso. A voz e as letras de Indigo Sparke marcam, sem sombra de dúvida, o disco. O seu timbre é bonito, muito melódico e as suas interpretações têm caracter, sentimento e vida. As estórias que contam são suas, mas são também um pouco nossas, pela forma como tudo nos chega com genuinidade. Do início com "Blue", ao fecho com "Burn", há muito para deliciar os ouvidos e aquecer a alma. Não consigo eleger favoritas, mas confesso que o coração bate mais forte ao som de "Hysteria", "God Is A Woman's Name", "Real", "Set Your Fire On Me" e "Time Gets Eaten".


Nota Final: Custou, mas foi. Chegou finalmente ao fim a retrospetiva sobre os discos que (mais) ouvi em 2022 e que, de uma forma ou outra, marcaram o meu ano. Não prometo uma edição das «concertinices» em 2023, que o tempo pode não dar para tudo, mas comprometo-me a destacar aquilo que mais sentido me fizer ao longo deste ano, sejam discos ou canções, ainda que aguarde com expectativas as novidades de Kele (a 24 de Março), The National (a 28 de Abril) e Arlo Parks (a 26 de Maio).

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